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Entre a vitrine para o mundo e a espera do povo: o legado desigual da COP30 em Belém

COP30 movimenta economia e infraestrutura da capital paraense, mas moradores de áreas periféricas ainda esperam avanços



Do Brasil de Fato, 21 de novemabri 2025 - Belém (PA)
Por Eraldo Paulino


Obras paralisadas no canal do Caraparu. Quando chove, o canal transborda| Crédito: Daniel Vinagre

A realização da COP30 atraiu cerca de 60 mil pessoas a Belém, somando participantes da conferência e de eventos paralelos relacionados à pauta socioambiental. O encontro registrou 47.500 inscritos de 194 países, tornando-se o maior evento internacional já realizado na capital paraense.

O impacto na rotina da cidade foi imediato. Para o taxista Paulo Maciel, que trabalha há 37 anos na praça, o movimento superou todas as expectativas. “Foi o melhor que aconteceu em Belém. Muito movimento, muitas corridas. Peguei muitos estrangeiros, principalmente franceses, e eles elogiam muito a cidade”, afirmou.

Um dos locais mais visitados durante a conferência foi a Ilha do Combu, polo gastronômico e cultural às margens do rio Guamá. Segundo Luiz Nazareno, vice-presidente da Cooperativa Mista da Ilha do Combu (Coopmic), o fluxo de turistas cresceu na última semana do evento. “Sem ser COP já temos movimento intenso, mas na última semana aumentou. E acredito que depois vai crescer ainda mais o turismo, tanto na ilha quanto na cidade”, disse.



A variedade de visitantes também exigiu adaptações no atendimento. Barqueiros e cobradores precisaram recorrer a tecnologias de tradução para superar barreiras linguísticas. “Hoje a tecnologia facilita. Usamos o celular quando não conseguimos entender o visitante”, relatou Nazareno.

Obras avançam no centro e atrasam na periferia


Mais de R$ 6 bilhões foram investidos em saneamento, turismo e infraestrutura para preparar Belém para a COP30. Enquanto o centro recebeu intervenções concluídas a tempo do evento, obras em regiões periféricas seguem longe da finalização.

No bairro do Guamá, o canal do Caraparu tornou-se motivo de insatisfação. Moradores reclamam de indenizações baixas para quem precisa deixar suas casas e da demora na conclusão da obra. “Era para estar pronto antes da COP, mas priorizaram outras áreas. Ficamos no esquecimento”, disse André Campos, presidente da Associação de Moradores da Rua Augusto Correia.

A previsão da entrega da obra era para o mês de novembro, mas a intervenção está longe de ficar finalizada. Nas chuvas que começaram a cair, no inverno amazônico, é comum o canal transbordar e inundar residências. Outra intervenção atrasada é o Parque do Igarapé São Joaquim, de responsabilidade da Prefeitura de Belém. Já na Vila da Barca, bairro ribeirinho, muitas residências ainda não têm acesso regular à água potável.

Legado desigual


A COP30 deixou um conjunto de obras, novos equipamentos culturais e estímulo ao turismo na região central da cidade. No entanto, bairros periféricos continuam aguardando melhorias básicas. Embora com recurso para preparação da conferência Belém tenha recebido a maior estação de tratamento de esgoto da história, a capital paraense segue tendo apenas cerca de 5% da população com acesso a esse serviço.

Além disso, a cidade segue sendo a 6ª capital brasileira menos arborizada do Brasil. Os canais que já foram igarapés receberam concreto e asfalto na periferia, enquanto os canais no centro, nos Parques Lineares da Doca Souza Franco e da av. Tamandaré, receberam intervenções paisagística com plantas. O desafio, após o encerramento do evento, é garantir que os investimentos alcancem toda a população e reduzam desigualdades urbanas históricas e o racismo ambiental.

Apesar disso, para Adolfo Oliveira Neto, geógrafo da Universidade Federal do Pará (UFPA), o principal legado deixado para Belém é a pauta socioambiental, que não pode mais ser ignorada. “Há pouco tempo, a pauta da ecologia, da crise climática, parecia ser assunto da academia, de movimentos sociais. Hoje esse assunto está na boca do povo. E essa efervescência do debate permite que temas importantes, como o racismo ambiental, não sejam mais invisíveis”, analisou.

O outro lado


Em nota, a Secretaria de Obras do Pará informou que as obras no canal do Caraparu avançam conforme o cronograma. A placa de identificação da obra dá o prazo de novembro de 2025, mas segundo os moradores, as famílias removidas ainda não foram indenizadas e parte das obras ainda não teve início.

A Prefeitura de Belém não se manifestou até o fechamento da reportagem.

A empresa responsável pelo abastecimento de água em Belém, Águas do Pará, também não se manifestou até a publicação. O espaço segue aberto às manifestações.

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Editado por: Maria Teresa Cruz

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