Do GGN, 14 de novembro 2025
Filho de farmacêutico, um dos pioneiros do Conselho Federal de Farmácia, acompanhei a decadência das farmácias independentes desde os planos de estabilização de Roberto Campos.
Na época, os laboratórios vendiam para as farmácias. Mas o farmacêutico tinha que obedecer à lista de preços fornecida pelo próprio laboratório. Na hora de repor os estoques, os preços já haviam aumentado, provocando a descapitalização das farmácias, em ondas sucessivas,
Depois disso, o que se viu foi uma enorme concentração, em torno de três ou quatro redes, liquidando com o papel do farmacêutico, como agente da saúde pública.
Em qualquer país civilizado, proíbe-se a concentração, no ramo farmacêutico, e montam-se políticas para fortalecer a farmácia individual.
Vamos a um raio-X do caso brasileiro.
As grandes redes associadas à Abrafarma faturaram R$ 103,14 bilhões em 2024, com mais de 11 mil lojas, crescendo acima de 14% ao ano. A própria Abrafarma projeta chegar a mais de 50% do faturamento total do mercado em poucos anos.
Isso é, na prática, um movimento de oligopolização do varejo farmacêutico.
Essa distorção foi possível devido ao desvirtuamento das leis que regulam o setor.
A Lei 5.991/1973 tratava farmácias e drogarias como estabelecimentos comerciais de venda de medicamentos, insumos etc.
A Lei 13.021/2014 corrigiu o conceito jurídico, transformando a farmácia formalmente em “estabelecimento de saúde”, voltado à assistência farmacêutica e orientação sanitária.
Mas não limitou concentração econômica, não regulou propriedade (quem pode ser dono), não blindou o farmacêutico contra metas puramente comerciais, embora diga que a autonomia técnica não pode ser desrespeitada.
Na prática, a lei diz “saúde”, o mercado opera como “varejo de alta rotação”.
Principais falhas de mercado
Há um conjunto enorme de falhas de mercado, que passam ao longe da análise do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico):Assimetria de poder de compra: redes negociam direto com a indústria, com descontos e prazos inalcançáveis para independentes.
Domínio de localização: pagam aluguéis elevados para pontos premium, expulsando pequenas farmácias do eixo de fluxo.
Venda agressiva de OTC e conveniência: campanhas, combos, programas de desconto baseados em escala de dados e capital.
Captura logística: distribuidoras e laboratórios tendem a privilegiar grandes compradores.
Principais falhas de Estado
Em todo esse período, o Estado mostrou totalmente ausente. O CADE não olha para o setor. Não existe política de defesa da capilaridade (farmácia como infraestrutura de saúde de proximidade). Faltam crédito e incentivos específicos para farmácia independente.
Regras de propriedade e limites de participação regional, ao contrário da maioria dos países europeus, que preservam a indivisibilidade entre propriedade e direção técnica do farmacêutico.
Objetivos de uma política de reversão
Qual seria o “norte” da política pública?Sanitário: garantir farmácia como ponto de cuidado (uso racional de medicamentos, vacina, acompanhamento de crônicos). Tem que voltar a ser um agente da saúde pública.
Concorrencial: evitar oligopólios e abuso de poder econômico.
Territorial: manter farmácias em áreas menos rentáveis (periferia, interior, rural).
Profissional: restaurar o poder econômico do farmacêutico, hoje rebaixado a executor de metas comerciais.
Sistêmico: alinhar o varejo farmacêutico ao SUS, e não apenas ao varejo de conveniência.
Cenários de reversão: do “mínimo razoável” ao “choque regulatório”
Para organizar politicamente:
Cenário 1 – Freio de arrumação (mínimo razoável)Mais atuação do CADE, limites regionais suaves de concentração.
Programas de crédito + incentivos tributários para independentes.
Reforço da fiscalização da Lei 13.021 (autonomia técnica).
Cenário 2 – Modelo híbrido europeu-brasileiroCriação da categoria de Farmácia Comunitária de Interesse Público.
Restrições a aquisições em determinadas áreas.
Programas robustos de SUS + farmácias independentes.
Cenário 3 – Choque regulatórioAlterar a lei para:exigir farmacêutico como sócio controlador de toda farmácia de atenção primária;
limitar o número de unidades por grupo.
Rever permissões de venda agressiva, publicidade, formatos de expansão de redes.
Leia também:
Por Luis Nassif
Filho de farmacêutico, um dos pioneiros do Conselho Federal de Farmácia, acompanhei a decadência das farmácias independentes desde os planos de estabilização de Roberto Campos.
Na época, os laboratórios vendiam para as farmácias. Mas o farmacêutico tinha que obedecer à lista de preços fornecida pelo próprio laboratório. Na hora de repor os estoques, os preços já haviam aumentado, provocando a descapitalização das farmácias, em ondas sucessivas,
Depois disso, o que se viu foi uma enorme concentração, em torno de três ou quatro redes, liquidando com o papel do farmacêutico, como agente da saúde pública.
Em qualquer país civilizado, proíbe-se a concentração, no ramo farmacêutico, e montam-se políticas para fortalecer a farmácia individual.
Vamos a um raio-X do caso brasileiro.
As grandes redes associadas à Abrafarma faturaram R$ 103,14 bilhões em 2024, com mais de 11 mil lojas, crescendo acima de 14% ao ano. A própria Abrafarma projeta chegar a mais de 50% do faturamento total do mercado em poucos anos.
Isso é, na prática, um movimento de oligopolização do varejo farmacêutico.
Essa distorção foi possível devido ao desvirtuamento das leis que regulam o setor.
A Lei 5.991/1973 tratava farmácias e drogarias como estabelecimentos comerciais de venda de medicamentos, insumos etc.
A Lei 13.021/2014 corrigiu o conceito jurídico, transformando a farmácia formalmente em “estabelecimento de saúde”, voltado à assistência farmacêutica e orientação sanitária.
Mas não limitou concentração econômica, não regulou propriedade (quem pode ser dono), não blindou o farmacêutico contra metas puramente comerciais, embora diga que a autonomia técnica não pode ser desrespeitada.
Na prática, a lei diz “saúde”, o mercado opera como “varejo de alta rotação”.
Principais falhas de mercado
Há um conjunto enorme de falhas de mercado, que passam ao longe da análise do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico):Assimetria de poder de compra: redes negociam direto com a indústria, com descontos e prazos inalcançáveis para independentes.
Domínio de localização: pagam aluguéis elevados para pontos premium, expulsando pequenas farmácias do eixo de fluxo.
Venda agressiva de OTC e conveniência: campanhas, combos, programas de desconto baseados em escala de dados e capital.
Captura logística: distribuidoras e laboratórios tendem a privilegiar grandes compradores.
Principais falhas de Estado
Em todo esse período, o Estado mostrou totalmente ausente. O CADE não olha para o setor. Não existe política de defesa da capilaridade (farmácia como infraestrutura de saúde de proximidade). Faltam crédito e incentivos específicos para farmácia independente.
Regras de propriedade e limites de participação regional, ao contrário da maioria dos países europeus, que preservam a indivisibilidade entre propriedade e direção técnica do farmacêutico.
Objetivos de uma política de reversão
Qual seria o “norte” da política pública?Sanitário: garantir farmácia como ponto de cuidado (uso racional de medicamentos, vacina, acompanhamento de crônicos). Tem que voltar a ser um agente da saúde pública.
Concorrencial: evitar oligopólios e abuso de poder econômico.
Territorial: manter farmácias em áreas menos rentáveis (periferia, interior, rural).
Profissional: restaurar o poder econômico do farmacêutico, hoje rebaixado a executor de metas comerciais.
Sistêmico: alinhar o varejo farmacêutico ao SUS, e não apenas ao varejo de conveniência.
Cenários de reversão: do “mínimo razoável” ao “choque regulatório”
Para organizar politicamente:
Cenário 1 – Freio de arrumação (mínimo razoável)Mais atuação do CADE, limites regionais suaves de concentração.
Programas de crédito + incentivos tributários para independentes.
Reforço da fiscalização da Lei 13.021 (autonomia técnica).
Cenário 2 – Modelo híbrido europeu-brasileiroCriação da categoria de Farmácia Comunitária de Interesse Público.
Restrições a aquisições em determinadas áreas.
Programas robustos de SUS + farmácias independentes.
Cenário 3 – Choque regulatórioAlterar a lei para:exigir farmacêutico como sócio controlador de toda farmácia de atenção primária;
limitar o número de unidades por grupo.
Rever permissões de venda agressiva, publicidade, formatos de expansão de redes.
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