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O papel do capital estrangeiro na Política Nacional de Terras Raras

A chave da questão consiste em atrair capital externo sem “entregar o minério” nem a inteligência industrial.



Do GGN, 12 de outubro de 2025
Por Luis Nassif

A chave da questão consiste em atrair capital externo sem “entregar o minério” nem a inteligência industrial. Em outras palavras, deixar o estrangeiro financiar o CAPEX, mas o poder de decisão, tecnologia e agregação de valor ficam no Brasil.

Vamos estruturar isso em 5 zonas de entrada seguras para o capital externo, com instrumentos de controle e alinhamento de interesse.

1. ENTRADA CONTROLADA POR FASE DA CADEIA

A) Mineração e Beneficiamento (fase upstream)

Modelo permitido: Joint venture minoritária ou contrato de fornecimento sob cotas e preço regulado.

Onde o capital estrangeiro pode entrar:Financiamento de infraestrutura (CAPEX de lavra, plantas piloto).

Tecnologia de beneficiamento, lixiviação seletiva e tratamento de rejeitos.

Garantia de compra de concentrado sob cláusulas de nacionalização parcial.

Condições soberanas:Controle mínimo de 51% nacional nas jazidas.
Direito de preferência do Estado em toda cessão de controle.

Obrigação de refino local de pelo menos 60% do concentrado exportável.

Cláusula de transferência de tecnologia (ToT) para CNEN e universidades públicas.

Capital estrangeiro ideal:Japoneses e coreanos (Sumitomo, POSCO, SK Innovation),Europeus com foco ESG (Umicore, BASF),
Fundos de infraestrutura “verdes”.

B) Separação e Metalurgia (midstream crítico)

Modelo permitido: Joint venture tecnológica com governança paritária.

Onde o capital estrangeiro pode entrar:Fornecimento de tecnologia de separação e purificação (solventes, íon exchange, membranas).
Implantação de plantas metalúrgicas em consórcio com BNDESPar e empresas nacionais.
Financiamento via project finance verde com contratos de offtake nacionais.

Condições soberanas:Majoritário brasileiro (mínimo 60%) ou controle estatal via golden share.

Propriedade nacional da patente derivada de melhorias de processo.
Vedação à exportação de óxidos sem autorização do CNPE/MDIC.
Base de dados de processos e resíduos obrigatoriamente hospedada no Brasil.

Capital estrangeiro ideal:França (Solvay), Alemanha (Evonik), Coreia do Sul (Kumyang), Canadá (Neo Performance Materials).
Instituições multilaterais: Banco dos BRICS (NDB), AIIB, EIB.

C) Fabricação de Ímãs e Componentes (downstream)

Modelo permitido: Parcerias industriais e tecnológicas, com joint ventures abertas e conteúdo local obrigatório.

Onde o capital estrangeiro pode entrar:Transferência de know-how em sinterização, difusão de Dy/Tb, metalurgia fina.

Fornecimento de equipamentos de prensagem e metalurgia a pó.
Co-investimento com WEG, Siemens, Tupy, Embraer, etc.

Condições soberanas:Produção em território nacional, sob regime ZPE Verde ou Repetro Industrial.

Proibição de exportar ímãs sem projeto de integração produtiva no Brasil.

Obrigação de formar técnicos e engenheiros locais (mínimo 1 brasileiro treinado por 1 estrangeiro).

Transferência de dados de performance e curva BH para laboratórios nacionais.

Capital estrangeiro ideal:Empresas coreanas e japonesas (Shin-Etsu, Hitachi Metals, TDK),
Europeias (Vacuumschmelze, Arnold Magnetics).

Investidores de venture building industrial.

D) Produtos Finais e Aplicações (setores integradores)

Modelo permitido: Acordos de codesenvolvimento e “joint R&D” com cláusulas de soberania tecnológica.

Onde o capital estrangeiro pode entrar:Montagem de motores, geradores, atuadores, sensores, catalisadores.
Financiamento de fábricas regionais com conteúdo local e exportação integrada.

Condições soberanas:Patentes conjuntas com instituições nacionais.
Reinvestimento obrigatório de parte do lucro (mínimo 20%) em P&D local.

Política de exportação supervisionada pelo CNDI/MDIC.
Programas de certificação de origem (Ímã BR).

Capital estrangeiro ideal:Fabricantes de EVs e eólicos (BYD, Vestas, Siemens Gamesa, Stellantis).

Parcerias BRICS (China, Índia, África do Sul) para mercados regionais.

E) Reciclagem e Circularidade

Modelo permitido: Investimentos 100% estrangeiros com obrigação de reintegração no ciclo nacional.

Onde o capital estrangeiro pode entrar:Instalação de plantas de desmontagem, refino e reciclagem direta de ímãs.

Desenvolvimento de tecnologia de separação de scrap e reaproveitamento.

Condições soberanas:Todo material recuperado deve ser reindustrializado em território brasileiro.

Certificação de rastreabilidade ESG nacional.

Proibição de exportar resíduos.

Capital estrangeiro ideal:Fundos ESG e empresas de reciclagem europeias e canadenses (Solvay, Lynas, Umicore).
Startups de economia circular com acordos de compartilhamento de dados.

Mecanismos de controle e soberania

InstrumentoFunçãoÓrgão Gestor
Golden Share PúblicaVeto estratégico em decisões de controle, exportação e transferência de tecnologia.BNDESPar / União
Fundo de Terras Raras do Brasil (FTR-BR)Investidor-âncora em JVs, mantendo 25–40% de equity nacional.BNDES + fundos de pensão
Cláusula de “compra local mínima”Exige que 60–70% dos insumos e subcomponentes venham do país.MDIC
Requisitos de Conteúdo Tecnológico Local (CTL)Percentual mínimo de engenharia e P&D feito no Brasil (ex. 30% do CAPEX em P&D local).MCTI
Banco de Patentes Compartilhadas (IP Commons BRICS)Centraliza e protege propriedade intelectual desenvolvida em parcerias.INPI + MCTI
Autoridade Nacional de Terras Raras (ANTR)Supervisiona contratos, licenças e exportações estratégicas.CNPE + Casa Civil
Zonas de Processamento Industrial Verde (ZPIV)Espaços onde capital estrangeiro entra com isenção fiscal, mas sob regras de reinvestimento e conteúdo local.MDIC + Estados


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