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Derrotar e deslegitimar o bolsonarismo, por Aldo Fornazieri

Em 2022, o bolsonarismo sofreu uma derrota eleitoral, mas não política. O mesmo ocorreu com Trump quando foi derrotado por Biden.

Do GGN , 28 de julho de 2025
Por Aldo Fornazieri


Lasar Segall

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o nazismo e o fascismo não só foram derrotados, mas foram também deslegitimados. A derrota foi em vários campos. A vitória das forças aliadas ocidentais e da União Soviética no front do Leste implicaram numa derrota militar avassaladora ao Eixo constituído pela Alemanha, Japão e Itália. A derrota foi de tal ordem que as ideologias que buscavam legitimar esses regimes ficaram sem sustentação política e militar.

O processo de deslegitimação foi catapultado, principalmente, pela divulgação mundial das atrocidades que esses regimes cometeram contra inimigos externos e também contra populações e oposições internas. O Holocausto e as atrocidades, ali praticadas, foram o ponto mais alto da barbárie daqueles projetos políticos e ideológicos.

A condenação internacional dos crimes de guerra teve no Tribunal de Nuremberg um repúdio em nome do Humanismo e dos valores civilizacionais. Essa condenação estabeleceu uma interdição política, ideológica e moral ao nazismo e ao fascismo em, praticamente, todos os países do mundo, mesmo com as suas diferentes ideologias e diferentes sistemas e formas de governo.

Na esteira desse processo, nas democracias ocidentais, se fortaleceu um consenso de que era necessário garantir direitos aos trabalhadores, inclusão e bem estar. Esse entendimento foi sacramentado na ideia e na construção do Estado de bem-estar social.

Com essa deslegitimação do nazismo e do fascismo essas ideologias não morreram, mas submergiram por décadas, sofrendo até mesmo interdições legais. No final do século XX já existiam sinais de seu ressurgimento através de organizações e agrupamentos extremistas de direita Mas foi no início do século XXI que esses agrupamentos se tornaram mais assumidos, mais explícitos e mais ativos em disputas políticas, ideológicas e eleitorais. Quer dizer: buscaram relegitimar-se em diversas partes do mundo. Se afirmaram com mais força e ousadia nas democracias ocidentais.

Donald Trump, Bolsonaro, Victor Orban, Bukele, entre ouros, se tornaram expressões públicas, partidárias e eleitorais mais conhecidas de uma série de grupos, partidos, movimentos, formuladores e ativistas dessas ideologias que assumiram várias formas matizadas. Hoje trabalham para construir articulações mundiais, buscando maior coerência, unidade e eficácia. Muitos analistas e pensadores foram surpreendidos por esse ressurgimento, pois, com a queda da União Soviética, acreditava-se que as democracias liberais estavam garantidas indefinidamente e que aquelas ideologias extremistas estavam mortas.

O Brexit, a vitória de Trump, de Bolsonaro, entre outros, e o fortalecimento dos partidos de extrema-direita em vários parlamentos são, não apenas fatos perturbadores, mas sinais de que existe uma crise profunda e que o mundo está transitando de uma era política para outra, sem que esse futuro tenha qualquer garantia de seu desenho, de seu conteúdo e de sua forma. É aquela velha advertência de Antônio Gramsci: “o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”.

Hoje existe uma batalha campal pelo domínio do novo período civilizacional. Ela envolve várias frentes: valores, ideologias, tecnologias, mercados, influências, corrida espacial, Big Techs, comida, água, rios, mares, florestas, terras raras, ecologia, meta humanismo, genética, biopolítica, etc.. As forças que estão nessa guerra campal ainda estão se alinhando, definindo seus rumos, suas armas, suas estratégias.

No trânsito do século XX para o século XXI não ocorreu apenas o colapso da União Soviética e uma crise do marxismo e das esquerdas. A democracia liberal também entrou em crise. O neoliberalismo foi uma tentativa de resposta, um epifenômeno da crise do liberalismo. O neoliberalismo provocou uma tensão extrema da democracia liberal, testando os seus limites.

Muitos analistas de esquerda afirmam que a emergência da extrema-direita se deve à crise do neoliberalismo. Mas não é só isso: é também o resultado da incapacidade do liberalismo e das esquerdas promoverem saídas para a crise das democracias. Incapacidade de oferecer soluções para os desafios ecológicos, econômicos, sociais, políticos, culturais e tecnológicos. A extrema-direita ressurgiu nas brechas, nas fendas deixadas pela ausência dessas alterativas, dessas incapacidades de renovar a democracia, os direitos, a igualdade e a liberdade.

Em 2022, o bolsonarismo sofreu uma derrota eleitoral, mas não política. O mesmo ocorreu com Trump quando foi derrotado por Biden. Nem os Democratas e nem o sistema judiciário norte-americano se dispuseram a derrotar política e ideologicamente e a punir Trump e trumpismo, mesmo com os acontecimentos trágicos da invasão do Capitólio

No Brasil, a tragédia negacionista da pandemia, o golpismo recorrente de Bolsonaro durante seu governo e a tentativa explicita de golpe no final de 2022 e início de 2023, não estimularam as forças democráticas e progressistas a deslegitimar o bolsonarismo. Apenas o STF agiu com firmeza com o objetivo de derrotar o golpismo. O preço dessa inação dos democratas e progressistas é a permanência do bolsonarismo como força política significativa na disputa política e eleitoral.

Mas agora, com a traição e com a chantagem que a família Bolsonaro e os bolsonaristas estão promovendo contra o Brasil, estimulando o tarifaço de Trump, surge uma ocasião extraordinária para derrotar politicamente o bolsonarismo e deslegitimá-lo moralmente. O bolsonarismo não é uma força de direita que possa ser tratada como adversária no âmbito do jogo democrático. O bolsonarismo precisa ser tratado como uma força inimiga, que precisa ser derrotada e deslegitimada.

O bolsonarismo trata as forças democráticas progressistas e de esquerda como inimigas. Quer destruí-las. Age na democracia para destruir a democracia. É inimigo da ordem republicana e democrática. É inimigo do STF porque, hoje, ele é o pilar fundamental da garantia do Estado de Direito e da Constituição. Quer derrubar e, se possível, eliminar os ministros do STF que são os mais ativos no combate ao golpismo.

Vivemos numa conjuntura em que não é possível impor uma interdição legal ao bolsonarismo e ao extremismo de direita. Mas é possível impor uma derrota política e uma deslegitimação moral, reduzindo sua influência na sociedade e se espaço de manobra no meio político. É esta a ocasião que a traição e a chantagem dos bolsonaristas, associados ao tarifaço punitivo e ilegítimo de Trump oferece. A omissão nessa tarefa pode custar caro às forças progressistas e à democracia.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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