Por FERNANDO MARTINI*
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Imagem: Luciana Sena |
Um ano após as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, Porto Alegre se torna palco de reflexões urgentes sobre o futuro climático do planeta
A pergunta posta por Francisco Eliseu Aquino na mesa de abertura do Climate Change Summit serviu como fio condutor dos dois dias do encontro: “Qual o maior desafio atual da humanidade?” Suas reflexões nos propõem pensar as mudanças climáticas como esse desafio, do qual depende a sobrevivência do planeta. A força dessa colocação encontra respaldo não apenas na ciência, mas também no acúmulo crescente de evidências empíricas – entre elas, as enchentes catastróficas de 2024 no Rio Grande do Sul.
Realizado um ano após a tragédia gaúcha, nos dias 2 e 3 de maio no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o Climate Change Summit 2025 assumiu o papel de mobilizar a academia e a sociedade no enfrentamento da crise climática, fazendo da memória do desastre um chamado à mudança.
Uma percepção preocupante emergiu das falas e análises: estamos em um perigoso limiar. A ideia de que estamos em um momento crucial, repetida em diferentes painéis, expressa o reconhecimento de que há um abismo entre o futuro que se deseja – sustentável, justo, resiliente – e a realidade em curso, marcada por eventos extremos, erosão da biodiversidade e tensões sociais crescentes.
Os diversos palestrantes expressaram a ideia de que o clima, a biodiversidade e a sociedade humana são dimensões interdependentes de um mesmo sistema em desequilíbrio. Tratar essas três dimensões de forma integrada é essencial para que a humanidade tenha alguma chance real de amenizar as consequências das mudanças climáticas em curso.
Um problema global, soluções com raízes locais
Carlos Nobre, renomado cientista com reconhecimento internacional, lembrou que as enchentes no Rio Grande do Sul são parte de um quadro muito mais amplo. Não se trata de um desastre isolado, mas de um sintoma de um processo global de degradação climática. A intensificação de eventos extremos – secas prolongadas, ciclones, inundações – já ultrapassou os limites da imprevisibilidade e aponta, segundo Carlos Nobre, para a ultrapassagem de pontos de não retorno. A hipótese de colapsos sistêmicos não pode mais ser tratada como exagero ou retórica alarmista.
Esse reconhecimento impõe um desafio: trata-se de um problema global que também é sentido localmente e que exige respostas articuladas em múltiplos níveis. A crise climática demanda uma abordagem integrada que una o local e o global em um mesmo horizonte de ação.
É necessário simultaneamente fortalecer iniciativas comunitárias, valorizar a produção científica enraizada em contextos específicos e desenvolver mecanismos de governança internacional capazes de envolver diferentes instituições e setores da sociedade. Além disso, impõe-se o desafio de que Estados com interesses distintos integrem suas ações, colocando em segundo plano diferenças de toda ordem e objetivos nacionais imediatos, em nome de compromissos compartilhados sustentados pela ciência e pela responsabilidade comum.
O destaque ao papel da educação também foi marcante nos dois dias de evento. Ao lado das políticas públicas efetivas, a educação ambiental é fundamental para a construção de uma consciência ambiental e uma atitude voltada a lidar com as mudanças climáticas. Mas a formação ambiental não se restringe às escolas: ela implica também uma redefinição do papel da universidade.
Como afirmou Jefferson Simões, “Se existem muros, a academia tem de ter a habilidade de transformar os muros em pontes”. Esta afirmação sintetiza um desafio central: a universidade deve não apenas produzir conhecimento, mas encontrar formas eficazes de comunicá-lo, articulando-se com governos, instituições públicas e a população.
Um exemplo marcante foi a mesa “Mudanças climáticas e sociedade: vulnerabilidades”, que evidenciou como a crise climática atinge de forma desigual quem já vive em condições precárias – e por isso deve orientar políticas públicas com foco na proteção e na antecipação de riscos. Um ponto a ser saudado foi a participação de representantes do Judiciário e do Ministério Público, demonstrando que a pauta climática já mobiliza diferentes setores e convoca outras instituições a somar suas vozes ao debate.
O Summit também resgatou memórias que destacaram os laços de solidariedade do povo gaúcho e a onda de apoio que tomou conta do Rio Grande do Sul, mobilizando pessoas de todo o Brasil. Em meio à catástrofe, a resposta solidária reafirma a ideia que enfrentar as mudanças climáticas só é possível em união.
A carta de Porto Alegre
A Carta de Porto Alegre, apresentada ao final do Climate Change Summit, é o registro coletivo das preocupações, diagnósticos e proposições discutidos ao longo dos dois dias de evento. Elaborada por especialistas, docentes, pesquisadores e representantes institucionais, a carta reúne um conjunto articulado de recomendações voltadas à mitigação e à adaptação diante da emergência climática.
A carta reflete o acúmulo trazido pela pesquisa científica e reafirma prioridades urgentes: infraestrutura, alertas, saúde e um novo modelo de desenvolvimento ancorado na transição energética e na reconexão com a natureza. A leitura pela reitora Márcia Barbosa simboliza o compromisso da UFRGS com a gravidade do momento e responsabilidade da universidade diante da sociedade.
A escolha de Porto Alegre como sede do Climate Change Summit 2025 conferiu ao evento um peso histórico. Um ano após a enchente de 2024, o Summit se tornou expressão de uma cidade que reuniu suas forças em um esforço consciente de transformar o trauma em mobilização coletiva.
Reunindo pesquisadores, representantes do Estado e da sociedade civil, o encontro deu visibilidade à urgência do enfrentamento das mudanças climáticas e reafirmou o compromisso com uma tarefa inadiável – na qual ciência, universidade e sociedade têm um papel decisivo no futuro da humanidade.
*Fernando Martini é mestrando em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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