Do Conjur, 26 de junho de 2025
Por José Higídio
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Um levantamento exclusivo feito pela plataforma de inteligência jurídica Jusbrasil, a pedido da revista eletrônica Consultor Jurídico, com dados de cinco Tribunais de Justiça do país, mostra que a imensa maioria das ações consumeristas brasileiras é movida contra os bancos. Eles foram réus em 1,2 milhão de processos distribuídos na primeira instância dos estados de São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná e Bahia entre janeiro de 2023 e maio de 2025.
Levantamento do Jusbrasil mostrou 1,2 milhão de processos consumeristas contra bancos em cinco tribunais desde 2023
Proporcionalmente, outros setores podem ser mais reclamados, considerando o tamanho da clientela. Mais de 200 milhões de brasileiros têm algum tipo de relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e o número de contas bancárias ativas é superior a 1,2 bilhão.
Mas o número bruto dos bancos é muito superior ao de todos os demais setores mapeados. Sem contar a categoria “outros” (620,8 mil processos), que pode englobar empresas de escopos muito distintos, o segundo setor na lista de disputas sobre Direito do Consumidor é o de fundos de investimento e instituições de crédito, com 504,4 mil ações. Na sequência, vêm companhias aéreas (266 mil); distribuidoras de água, energia e saneamento (256,6 mil); e varejistas (220 mil).
O Jusbrasil identificou um total de 4,6 milhões de processos distribuídos nesse período nos cinco estados analisados. O levantamento ainda mostra os temas mais comuns dessas ações: dano moral (dois milhões); dano material (um milhão); cláusulas e práticas abusivas (657,8 mil); rescisão de contrato (288,3 mil); inclusão indevida em cadastro de inadimplentes (233,7 mil); e empréstimo consignado (227,9 mil).
Construtoras 5.121
Bancos no topo
A advogada Fabíola Meira, sócia do escritório Meira Breseghello Advogados, especializado em Direito das Relações de Consumo, destaca que o serviço bancário “historicamente lidera os rankings de litigiosidade”, pois é “um setor essencial, de grande penetração social, com contratos massificados e linguagem técnica frequentemente de difícil compreensão para o consumidor”.
De acordo com ela, é comum que o cliente de banco “não se atente aos riscos envolvidos, às taxas aplicáveis e às condições de pagamento”.
Por outro lado, Fabíola indica também a existência de um número significativo de “ações movidas após contratações voluntárias e regulares, com discussões centradas em cláusulas previamente informadas — evidenciando, muitas vezes, um padrão de litigância abusiva”.
Já Igor Marchetti, advogado do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), ressalta o aumento de golpes e falhas de segurança — algo que atinge não só os bancos, mas também os fundos de investimento. Só no primeiro trimestre de 2025, foram quase 1,9 milhão de tentativas de fraude em bancos e cartões.
Embora a jurisprudência seja consolidada no sentido de que bancos são responsáveis por falhas na prestação do serviço, o advogado observa que a postura dessas instituições financeiras não muda: elas aguardam os casos chegarem ao Judiciário, pois sabem que os valores da condenação não serão impactantes.
“A resistência dos bancos e a dificuldade de resolver administrativamente são os principais motivos desse número bem expressivo.”
Há também o problema histórico do endividamento da população. Segundo Marchetti, os clientes têm dificuldade de renegociar termos dos contratos e acabam prorrogando os prazos pelo dobro ou até triplo do tempo original.
Na sua visão, os bancos têm índices altos de judicialização porque lidam com uma parte sensível da vida das pessoas: o orçamento, que pode afetar até mesmo a alimentação. Outros fatores citados por ele são as taxas de juros excessivas e as cláusulas abusivas.
Por fim, o advogado destaca que a imensa maioria das pessoas tem conta em bancos — muitas vezes, em mais de um. Isso “aumenta a possibilidade de problemas” como fraudes, má prestação de serviços e contratos abusivos.
Proporcionalmente, outros setores podem ser mais reclamados, considerando o tamanho da clientela. Mais de 200 milhões de brasileiros têm algum tipo de relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e o número de contas bancárias ativas é superior a 1,2 bilhão.
Mas o número bruto dos bancos é muito superior ao de todos os demais setores mapeados. Sem contar a categoria “outros” (620,8 mil processos), que pode englobar empresas de escopos muito distintos, o segundo setor na lista de disputas sobre Direito do Consumidor é o de fundos de investimento e instituições de crédito, com 504,4 mil ações. Na sequência, vêm companhias aéreas (266 mil); distribuidoras de água, energia e saneamento (256,6 mil); e varejistas (220 mil).
O Jusbrasil identificou um total de 4,6 milhões de processos distribuídos nesse período nos cinco estados analisados. O levantamento ainda mostra os temas mais comuns dessas ações: dano moral (dois milhões); dano material (um milhão); cláusulas e práticas abusivas (657,8 mil); rescisão de contrato (288,3 mil); inclusão indevida em cadastro de inadimplentes (233,7 mil); e empréstimo consignado (227,9 mil).
Setor | Processos |
Bancos | 1.244.503 |
Outros | 620.808 |
Fundos de investimento e instituições de crédito | 504.368 |
Companhias aéreas | 266.067 |
Empresas de distribuição de água, energia e saneamento | 256.595 |
Varejistas | 220.010 |
Empresas de telefonia, internet e TV | 186.522 |
Planos de saúde | 130.353 |
Seguradoras | 118.369 |
Agências de turismo | 92.284 |
Big techs | 44.848 |
Instituições de ensino | 33.159 |
Aplicativos/gig economy | 26.046 |
Locadoras de veículos | 13.996 |
Empresas de eletrônicos | 13.913 |
Construtoras |
Construtoras 5.121
Bancos no topo
A advogada Fabíola Meira, sócia do escritório Meira Breseghello Advogados, especializado em Direito das Relações de Consumo, destaca que o serviço bancário “historicamente lidera os rankings de litigiosidade”, pois é “um setor essencial, de grande penetração social, com contratos massificados e linguagem técnica frequentemente de difícil compreensão para o consumidor”.
De acordo com ela, é comum que o cliente de banco “não se atente aos riscos envolvidos, às taxas aplicáveis e às condições de pagamento”.
Por outro lado, Fabíola indica também a existência de um número significativo de “ações movidas após contratações voluntárias e regulares, com discussões centradas em cláusulas previamente informadas — evidenciando, muitas vezes, um padrão de litigância abusiva”.
Já Igor Marchetti, advogado do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), ressalta o aumento de golpes e falhas de segurança — algo que atinge não só os bancos, mas também os fundos de investimento. Só no primeiro trimestre de 2025, foram quase 1,9 milhão de tentativas de fraude em bancos e cartões.
Embora a jurisprudência seja consolidada no sentido de que bancos são responsáveis por falhas na prestação do serviço, o advogado observa que a postura dessas instituições financeiras não muda: elas aguardam os casos chegarem ao Judiciário, pois sabem que os valores da condenação não serão impactantes.
“A resistência dos bancos e a dificuldade de resolver administrativamente são os principais motivos desse número bem expressivo.”
Há também o problema histórico do endividamento da população. Segundo Marchetti, os clientes têm dificuldade de renegociar termos dos contratos e acabam prorrogando os prazos pelo dobro ou até triplo do tempo original.
Na sua visão, os bancos têm índices altos de judicialização porque lidam com uma parte sensível da vida das pessoas: o orçamento, que pode afetar até mesmo a alimentação. Outros fatores citados por ele são as taxas de juros excessivas e as cláusulas abusivas.
Por fim, o advogado destaca que a imensa maioria das pessoas tem conta em bancos — muitas vezes, em mais de um. Isso “aumenta a possibilidade de problemas” como fraudes, má prestação de serviços e contratos abusivos.
Demais setores
Sobre os fundos de investimento, Marchetti cita a falta de transparência para o consumidor: “Muitas vezes a pessoa faz um investimento, mas não sabe da rentabilidade, das regras, das condições”.
Algo comum entre as primeiras posições do ranking de judicialização consumerista, segundo ele, é “uma fragilidade regulatória”. Isso ocorre, por exemplo, com os bancos, regulados pelo Banco Central, e com as companhias aéreas, reguladas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
“O consumidor muitas vezes fica à mercê de ter de entrar com um processo para conseguir a resolução do problema. Administrativamente não é viável porque, muitas vezes, as agências ou o próprio Banco Central não agem da forma como seria esperado para o consumidor.”
Os processos contra companhias aéreas geralmente tratam de problemas “clássicos” como cancelamentos de voos, atrasos, mudanças de horários, extravios de bagagem e overbooking (venda de mais passagens do que a real capacidade da aeronave). Marchetti afirma que o número está relacionado a “condutas bastante problemáticas” das empresas.
“Trata-se de um serviço que, por sua natureza, afeta situações envolvendo compromissos e altas expectativas, o que intensifica o grau de insatisfação diante de qualquer falha”, diz Fabíola Meira. “Ainda que muitas regras estejam dispostas nos contratos de transporte e regulamentos da Anac, a baixa compreensão pelo consumidor das condições tarifárias e operacionais gera frustração e questionamentos.”
Ela ainda observa que “listas de passageiros são obtidas por plataformas litigantes, o que acaba gerando o excesso de demandas, ainda que tenha sido prestado suporte ao cliente”.
No caso das concessionárias de serviços públicos essenciais, como água, energia elétrica e saneamento, a advogada explica que as ações geralmente têm origem em “interrupções, cobranças que o consumidor não compreende, erros de leitura e dificuldades de contestação administrativa”.
Marchetti também cita problemas específicos como má qualidade da água, mas ele entende que a maioria dos processos é sobre cobranças indevidas e excessivas, fora da média de consumo: “A pessoa durante 11 meses paga um valor. De repente, no 12º mês, vem um valor quatro vezes maior do que a média. Isso é uma reclamação recorrente”.
Fabíola defende que as empresas tenham canais de atendimento de qualidade, invistam em medidas de contenção para eventos climáticos adversos e escutem a população vulnerável, de forma a melhorar os serviços e diminuir a judicialização.
Por fim, no varejo, os especialistas identificam um aumento causado pela popularização do comércio eletrônico. A advogada lista desafios decorrentes disso: “Maior número de consumidores, fornecedores distintos reunidos em marketplaces, dificuldades logísticas que impactam nos prazos, na devolução, arrependimento ou troca”. A falta de compreensão ou até de acesso a informações por parte dos consumidores também pesa na conta.
De acordo com Marchetti, o crescimento das compras online gera mais “descumprimentos de ofertas, entregas não realizadas, problemas de logística das empresas e vícios dos produtos”. Mas ele ressalta que o número de processos contra esse setor sempre foi “bem expressivo”.
Motivos gerais
Para Fabíola, o elevado volume de demandas judiciais contra os setores que ocupam as primeiras posições do ranking “decorre, em grande parte, de características estruturais de cada segmento, combinadas à vulnerabilidade informacional do consumidor e à própria complexidade da dinâmica de consumo de tais serviços e produtos”.
Já Marchetti destaca a “dificuldade para a resolução extrajudicial por parte dos consumidores”. Segundo ele, muitas vezes os problemas poderiam ser resolvidos fora da Justiça, mas as empresas “consideram que é mais vantajoso aguardar um processo judicial”.
Na opinião do advogado, isso acontece porque nem sempre o consumidor de fato vai judicializar a questão. E, mesmo se judicializar, os valores das condenações costumam ser baixos e indenizações por dano moral muitas vezes são negadas.
“Há um incentivo ao desrespeito”, avalia. “As empresas consideram que as ações judiciais são interessantes porque, no cálculo, fica mais vantajoso resolver o problema daqueles que ingressam com ação do que mudar todo o seu sistema.”
Ele defende uma postura mais incisiva do Judiciário quanto a essas ações consumeristas, “para que esses réus não se tornem estimulados a continuarem sendo réus”. Segundo Marchetti, se as empresas conciliassem com o consumidor e buscassem resolver os problemas administrativamente, o número de ações diminuiria.
No entanto, a atitude delas geralmente é “reativa”. Quando os Procons enviam notificações, as empresas (especialmente as grandes), na prática, adotam uma resposta padrão e não resolvem o problema relatado. Mais tarde, isso é usado como argumento na Justiça pelos consumidores, que podem também alegar desvio produtivo pelo tempo gasto no procedimento administrativo.
Maira Scavuzzi, advogada de Direito Empresarial e do Consumidor, ressalta que os setores mais demandados operam em larga escala e engajam milhões de consumidores, pois “ofertam serviços essenciais ou de alto impacto para a vida cotidiana”.
De acordo com ela, a judicialização é fruto “da massificação e da padronização das relações contratuais, da ineficiência persistente dos canais extrajudiciais de resolução de conflitos e da assimetria informacional que geralmente permeia as interações entre fornecedores e consumidores, marcadas por contratos de adesão, linguagem técnica ou baixa transparência”.
Com isso, o Judiciário se torna a “única via eficaz de reequilíbrio das relações entre a empresa (ou o Estado) e o consumidor”. Os Juizados Especiais, nos quais é possível mover ações sem a assistência de um advogado, facilitaram o acesso à Justiça e permitiram “a absorção desse tipo de demanda”.
“A judicialização massiva nos setores em exame evidencia os dilemas de uma sociedade hipercomplexa, em que as relações de consumo são regidas por lógica algorítmica, o atendimento se desumaniza e o cidadão, ao mesmo tempo em que é empoderado pelo discurso dos direitos, vê-se desamparado pelos meios extrajudiciais de solução de conflitos”, diz Maira. “A demanda judicial surge, então, como reação a um desequilíbrio sistêmico.”
Segundo Fabíola, a judicialização é um reflexo natural, mas não inevitável, da falta de estratégias preventivas eficazes nos setores com alto número de consumidores e contratos de adesão.
Ela sugere algumas medidas para “mitigar esse quadro”. Eis algumas delas: melhoria do atendimento ao consumidor (inclusive após a venda) e dos canais usados para isso; desenvolvimento de programas de integridade e revisão periódica de contratos; adoção de formas de resolução de conflitos, especialmente a plataforma consumidor.gov.br; e uso de mecanismos para identificar “litigiosidade abusiva” e apontá-la ao Judiciário.
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