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A redução sociológica

Do A Terra É Redonda, 30 de junho 2025
Por BRUNO GALVÃO*



Carsten Höller, Portas de correr, 2003

Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos

Se todo objeto científico possui caráter histórico indissociável, como afirmava o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), então é imperativo considerar que grande parte de sua obra foi produzida em um contexto tanto de otimismo pelo horizonte que se vislumbrava, nacional e internacionalmente, quanto pelos desafios para alcançá-lo: Guerra Fria, movimentos de descolonização afro-asiáticos, democracia, industrialização do terceiro mundo, urbanização, entre outras.

Guerreiro Ramos, como outros intelectuais do ISEB, tomaram para si a tarefa de desenvolver uma ciência para aquela conjuntura e aquele tempo, que em solo brasileiro ficou marcado como nacional-desenvolvimentismo.

Reeditado e relançado no mercado editorial no ano passado A redução sociológica, escrito originalmente em 1958, é um tratado para todo cientista brasileiro, ainda atual. Nele, Alberto Guerreiro Ramos propõe um método para que a ciência feita no Brasil atenda às necessidades do país.

A redução sociológica, como um de seus principais escritos, é produzida então a partir do ponto de vista de um intelectual engajado, que enxergava o Brasil em uma nova fase: uma fase de desenvolvimento nacional. Neste estágio, quando o povo se emancipa de uma vida de mera subsistência para uma vida de consumos complexos, se emancipa também da mera condição de objeto para se tornar sujeito. Enquanto sujeito, demanda o pensamento crítico para desenvolver-se plenamente. Segundo Guerreiro Ramos, essa fase surge a partir da industrialização e duas consequências: a urbanização e a alteração dos padrões de consumo.


A fase de desenvolvimento nacional como propósito científico

A industrialização estaria diretamente ligada ao fim da subjetivação colonial: para se industrializar, é preciso projeto nacional, e “um povo que projeta enfrenta sua circunstância de modo ativo, procurando explorar suas potencialidades segundo urgências determinadas” (p.64).

Segundo ele, um povo colonizado está sempre com os olhos para fora; a colônia (ou a condição colonial contemporânea), como economia de reflexo, é sempre projeto e instrumento da metrópole. Quando, porém, um povo passa a ter projeto, adquire uma individualidade subjetiva, vendo a si com centro de referência.

Como consequência da industrialização, Guerreiro Ramos acredita que a urbanização levou a um grau de politização das massas brasileiras sem precedentes. Ao contrário de países subdesenvolvidos de caráter primariamente rural, a alta densidade populacional dos países urbanizados e seu ritmo mais acelerado proporcionaria uma mudança na psicologia coletiva, com a tensão da vida urbana trazendo possibilidades organizativas e de participação na vida política (p.66).

A industrialização e o desenvolvimento acarretam, por fim, o aumento do poder aquisitivo e a especialização do trabalho (que exige, por vezes, níveis maiores de educação formal). A população, segundo Guerreiro Ramos, descobriu o político a partir de sua integração no âmbito de interações surgidas no país graças à formação do mercado de consumo interno, fruto de uma economia pós-colonial, que olha para si.

Como resultado, acredita ele: “Quanto mais uma população assimila hábitos de consumo não vegetativos, tanto mais cresce sua consciência política e maior se torna sua pressão no sentido de obter recursos que lhe assegurem níveis superiores de existência. Os padrões precários de existência, mantendo a população em estado de servidão à natureza, não propiciam o aprofundamento de sua subjetividade” (p.70).

Esse novo estágio da sociedade brasileira exprime o projeto coletivo de uma personalidade histórica, a pretensão do país a assenhorear-se a si próprio, de determinar-se a si próprio (p.72). Nesta condição, exige métodos analíticos próprios, uma ciência particular, uma sociologia única.

Grosso modo, a produção de Ramos parte do princípio de um país que estava na rota do desenvolvimentismo e demandava uma ciência que contribuísse para as demandas dessa fase histórica, que por ser histórica poderia ser respondida somente por uma produção fruto de seu próprio contexto histórico. Havia a necessidade de fundar uma sociologia nacional.

Na obra, o autor procura elaborar um instrumental teórico que fosse um método, uma atitude intelectual e existencial, um modo de assimilação crítica da produção estrangeira e uma ontologia (Bariani, 2015, p. 16).


A redução sociológica como método de assimilação

De maneira concisa, o instrumental teórico elaborado como alicerce para o desenvolvimento científico do país, a redução sociológica, é definida como “uma atitude metódica que tem por fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social” (p. 74).

De outra maneira, consiste na eliminação daquilo que, pelo caráter acessório e secundário, perturba o esforço de compreensão e a obtenção do essencial de um dado. Isso pois a redução sociológica opera por uma lógica perspectivista. Para Guerreiro, a perspectiva em que estão os objetos (científicos, culturais) em parte os constitui. Se transferidos para outro contexto, deixam de ser exatamente o que eram.

A ciência é feita a partir de enquadramentos históricos [frame of reference]. Portanto, é necessário um esforço para acessar o conteúdo do objeto, retirando as cortinas do contexto social a qual foi feito. “Cada objeto implica a totalidade histórica em que se integra e, portanto, é intransferível, na plenitude de todos os seus ingredientes circunstanciais”.

Pode-se, no entanto, adotar uma postura parentética: “pôr entre parênteses” as notas históricas adjetivas do produto cultural e apreender seus determinantes, de tal modo que, em outro contexto, possa servir subsidiariamente, e não como modelo, para nova elaboração. A redução sociológica se opõe à transplantação literal.

Pode-se inferir, também, que a redução sociológica, em sentido amplo, implica a busca da essência de um determinado elemento, assim entendida como o seu conteúdo nuclear. […] A atitude metódica permite a obtenção dessa essência, explicitando os elementos periféricos que conferem identidade local a esses objetos culturais. Estes aspectos periféricos, é importante pontuar, podem ser percebidos como o que de fato afeta a absorção do conteúdo nuclear de um objeto em uma realidade distinta daquela em que foi concebido (Bergue e Klering, 2010, p. 141).

A partir desta atitude metódica, objetiva-se primariamente poder utilizar de contribuições estrangeiras, “alienígenas”, recuperando aquilo que ela possui de caráter universal, e intermediá-la através do particular do local. A redução sociológica não é parte de um “revanchismo ufanista”, de utilizar somente aquilo que é endógeno, “indígena”.

Importar ciência é, conforme Guerreiro Ramos, uma necessidade de todos os povos. “Guerreiro Ramos sabia que a ciência é universal porque resulta de um esforço organizado de especialistas dispersos por toda parte e que dispõe de um mesmo círculo semântico” (Leite, 1983, p. 77).

Mas, conforme explicita Bariani (2015, p.17), parte de considerar que o cientista, como ser social, ser-no-mundo e ser-do-mundo (conforme se aproxima de Martin Heidegger), inevitavelmente se encontra inserido em um contexto determinado. Por isso, suas ações, valores e visão de mundo estão necessariamente ancorados na sua existência material, histórica e socialmente particular. “Assim, o pensar (logo, também o pensamento científico e a sociologia em particular) só poderia ser algo relativizado, relacionado, dirigido a partir de uma perspectiva determinada”.

Para Guerreiro Ramos, o problema da ciência brasileira (e particularmente da sociologia) é ter um cientista alienado de sua realidade, por vezes movido pelo prestígio da ciência produzida nos grandes centros de excelência dos países de primeiro mundo, que aplica em seu contexto uma mera transposição mecânica, acrítica das técnicas científicas importadas, sem ponderar a aplicabilidade real delas. E essa mera repetição analógica de técnicas e estudos, para ele, é completamente contrária à essência científica, porque perde de vista a particularidade constitutiva de toda situação histórica.

“Nos países periféricos, a sociologia deixa de ser atrasada na medida em que se liberta do efeito de prestígio e se orienta no sentido de induzir as suas regras do contexto histórico-social em que se integra” (p. 30).

A redução se insere, assim, como expressão de um cientista que rejeita a relação colonial da ciência, considerando a colonização como “uma condição de subalternidade da cultura nativa, que tem consequências na construção das identidades. O sujeito colonizado é aquele que, em detrimento de sua cultura nativa, se submete aos valores e percepções constituídas pela cultura moderna.” (Filgueiras, 2012, p. 347).

Partindo dessa problemática, Guerreiro Ramos postula que a atitude de redução sociológica é descrita em sete concepções gerais: (i) é uma atitude metódica; (ii) não admite a existência, na realidade social, de objetos sem pressupostos; (iii) postula a noção de mundo; (iv) é perspectivista; (v) seus suportes são coletivos e não individuais; (vi) é um procedimento crítico-assimilativo da experiência estrangeira; (vii) embora seus suportes coletivos sejam experiências populares, é uma atitude altamente elaborada.

Para cada postulado, Guerreiro Ramos elabora uma justificativa. Podemos resumir, em linhas gerais, algumas delas. A redução sociológica é atitude metódica, pois não é natural ou espontânea; é avaliação que obedece a regras e se esforça para depurar objetos de seus significados mais profundos.

Os postulados 2, 3 e 4 dizem respeito a um aspecto já abordado, sobre a maneira como Guerreiro Ramos encara o contexto como parte constitutiva dos objetos. “A noção de mundo estipula, portanto, que é fundamental à redução sociológica buscar os elementos referenciais da cultura para estipular seus fins. A atividade interpretativa proporcionada pela sociologia deve dar conta dessa noção de mundo, em que os objetos do conhecimento não estão dissociados do sujeito que procura interpretá-los.” (Filgueiras, 2012, p. 354).

Já os postulados 5 e 7 estão intimamente ligados com a construção de massa crítica, que Guerreiro Ramos define como necessário para uma nação que se emancipa, que visa se assenhorear e, portanto, possui um projeto de nação coletivo, popular. Com isso, o suporte da redução não está “na cabeça” do pesquisador, mas imanente à sociedade em sua atual condição material.

Por fim, o ponto 6 descreve seu principal caráter funcional. Guerreiro Ramos Ramos (p.74-75) destaca que “a redução sociológica não implica isolacionismo nem exaltação romântica do local, regional ou nacional. É, ao contrário, dirigida por uma aspiração ao universal, mediatizado, porém, pelo local, regional ou nacional”.


A lei do comprometimento

A redução sociológica opera metodologicamente a partir de 4 leis ou, fora do ramo das ciências duras, tendências. A primeira seria a lei do comprometimento: nos países periféricos, a redução só pode ocorrer ao cientista que adotou postura de engajamento ou compromisso consciente com seu contexto.

O compromisso consciente a que Guerreiro Ramos se refere é o do cientista se compreender enquanto ser histórico e contextual, sem ser um mero replicador de ciência ou exaltador ufanista sob o pretexto de fazer ciência. É a imersão sistemática do cientista social no ponto de vista da sua própria comunidade, coerente com a ideia de que a nação é o conjunto dos valores e percepções que uma comunidade faz sobre si mesma (Filgueiras, 2012, p. 355).

A lei do compromisso é baseada numa crítica radical, ou seja, numa reflexão sobre os fundamentos existenciais da ciência em ato ou da produção científica. “O compromisso de que se fala aqui, na medida que seja sistemático, situa o cientista no ponto de vista universal da comunidade humana. O regional e o nacional, em tal compromisso, não são termos finais, são termos imediatos da concretização do universal” (p.101).

“Aqui é demonstrado que a noção de mundo de um pesquisador não é constituída exclusivamente, tampouco em primeira instância, de esforço intelectivo, mas é de esforço não intelectual e da perspectiva existencial do próprio cientista. Assim, o pesquisador estaria condicionado por um a priori existencial, isto é, por sua experiência com objetos/pessoas do mundo particular em que viveu e por seu contexto histórico-social, quer ele tenha consciência ou não desse condicionamento” (Capelari et al., 2014, p. 9)


Lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira

A segunda lei seria a lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira: à luz da redução sociológica, toda produção científica estrangeira é, a princípio, subsidiária. O caráter perspectivista explica a lei, compreendendo que o contexto dos objetos em parte os constitui.

Guerreiro Ramos dá o exemplo do conceito de Estado, que, como objeto da sociologia, possui diversas formas (noemas) e está referida ao ato referencial (noese) do respectivo sociólogo, tendo diferentes interpretações dependendo do país que se estuda. Importante dizer, porém, que “uma sociologia nacional não postula que a sociologia varie de nação para nação, mas que o contexto e a cultura nos quais o conhecimento social é construído importam” (Filgueiras, 2012, p. 355).

Aqui, cabe destacar longas citações do autor. “Desde que, mediante a redução sociológica, descubramos, no contexto onde surgem, o sentido dos produtos sociológicos, (por exemplo, os diferentes noemas do Estado) podemos utilizá-los como subsídios, em uma noese não meramente imitativa (p.110).

Isso porque, para Guerreiro Ramos, qualquer sistema, teoria, conceito, técnica de pesquisa ou método, a menos que elaborado para fins ociosos, sempre é feito para atender uma imposição, e é neste “para” que estão as aspas históricas dos objetos. “Ao utilizarmos um objeto ou produto, sem reduzi-lo, somos envolvidos pela intencionalidade de que é portador. A observância desta lei levará o sociólogo a utilizar a produção estrangeira como matéria-prima de elaboração teórica, condicionada por fatores particulares da sociedade que vive” (p.110).

Mas em um país cujo povo virou sujeito, a própria sociedade coloca diante do pesquisador as tarefas que deve empreender. “Essas tarefas deixam de ser arbitrariamente selecionadas pelo gosto individual do sociólogo e passam a ser determinadas pela comunidade. O caráter ocioso da especulação sociológica nos países coloniais transparece no fato de não ter exigências próprias, mas obedecer às variações das correntes estrangeiras”.


Lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência

Já a terceira lei da redução sociológica é a lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência: se admite a universalidade da ciência tão somente no domínio dos enunciados gerais. A ciência é universal porque seus profissionais compartilham de um mesmo círculo semântico e fazem parte de um esforço colaborativo global. “Assim como ele mesmo proclamava – “em ciência não há lugar para jacobinismo” – ninguém pode realizar progressos se não a partir do que foi conquistado pelo esforço universal” (Leite, 1983, p. 77).

No entanto, como a ciência é feita para atender a alguma imposição, e tais imposições são historicamente localizadas, é preciso a atitude parentética de retirar suas aspas históricas a fim de capturar seu sentido universal. “Nesse sentido, a redução sociológica não nega a universalidade da ciência, todavia demanda do pesquisador submeter o trabalho científico à exigência da comunidade em que vive” (Capelari et al., 2014, p. 10).

Também não se trata de confundir “ciência nacional” com mera “ciência aplicada”. A realidade histórica, como dito, impõe ao pesquisador sua demanda específica.

“Na visão do autor, quando o processo de desenvolvimento é analisado pelo olhar de prérequisitos estruturais e funcionais estabelecidos em realidades sociais distintas e ditadas pela experiência dos países do centro do capitalismo, políticos e administradores dos países periféricos são tentados a adotar soluções hipercorretas para os problemas reais dessas nações. Ao invés de buscar soluções hipercorretas, que reproduzem os caminhos adotados pelos países do centro do capitalismo, os países da periferia devem buscar soluções adequadas, as quais necessitam de um ponto de vista estratégico” (Filgueiras, 2012, p. 358).


Lei das fases

Por fim, temos a lei das fases: a razão dos problemas de uma sociedade particular é sempre dada pela fase em que tal sociedade se encontra. O pensamento em termos de fase fundamenta-se na categoria de totalidade. A fase é uma totalidade histórico-social, cujas partes estão dialeticamente relacionadas (Ramos, 2024, p.125). “Assim, a quarta lei concerne à impossibilidade de compreender os fatos sem referi-los à realidade (fase), à vida ou à história em que se acham integrados. (Capelari et al., 2014, p. 10).

A delimitação de fases é definida de maneira comparativa e a posteriori, pela observação empírica dos fatos selecionados, de forma a ordenar os acontecimentos históricos em categorias relevantes. Como exemplo da lei de fases, Ramos (2024, p.124–125) dá a análise feita por Marx do processo histórico-social dos modos de produção (escravismo, feudalismo, capitalismo etc.). Nesta análise, cada etapa tem suas leis específicas e, portanto, problemas particulares.

Só que a ideia de fase não corresponde à existência de um pensamento linear em termos de causa e efeito, “mas à compreensão de momentos históricos que formam os problemas centrais com os quais as sociedades se debatem” (Filgueiras, 2012, p. 356). Mais uma vez reforçando, se a ciência é feita para resolver uma imposição, essa imposição é condicionada pela fase em que tal sociedade se encontra. Portanto, para compreender o caráter científico, é preciso considerar a totalidade das relações da fase em que se encontra.

A lei das fases também concede o caráter histórico que constitui os objetos científicos. “As ciências constituem, em cada período, um aspecto integrado numa totalidade de sentido. São tributárias da cosmovisão de cada período histórico e, consequentemente, não podem pretender permanentemente válidas” (Ramos, 2024, p.146).


O legado de Guerreiro Ramos

Como argumenta Guerreiro Ramos, nenhum postulado científico pode se pretender permanentemente válido. No caso da redução sociológica, décadas depois, é fácil enxergar as marcas do tempo e de uma conjuntura que hoje é, em certos aspectos, radicalmente diferente.

O aspecto do nacionalismo, do industrialismo e do progresso já acumulou bastante bolor, denunciando a senilidade de uma visão que defendia uma autonomia circunscrita e um rumo nacional-burguês para o desenvolvimento do capitalismo na periferia (Bariani, 2015, p. 23)

Seria conveniente argumentar que o apagamento de A redução sociológica do cânone da sociologia brasileira seja fruto de um país que teve seu projeto de desenvolvimento interrompido décadas atrás, passando por desindustrialização e sua consolidação na divisão internacional do trabalho como exportador de commodities.

No entanto, seu recente resgate por diversos pesquisadores indica que há algo de relevante na redução sociológica, e que o intelectual baiano conseguiu, tal qual Wright Mills em A imaginação sociológica, produzir uma grande obra da sociologia do conhecimento.

Ramos, acima de tudo, foi um grande expoente da redução sociológica, sendo possível enxergar nela o trabalho de Karl Mannheim, Heidegger, Sartre, Frantz Fanon, Weber, Marx e Edmund Husserl. Deste último, inclusive, tomou a noção de redução fenomenológica ou epoche, como atitude parentética – de pôr entre parênteses a existência efetiva do (ou no) mundo – e as de intencionalidade e perspectivismo da consciência” (Bariani, 2015, p. 18).

Mas não se trata de uma mera transposição da redução fenomenológica para o campo da sociologia, trata-se de uma elaboração única. “O que tomamos de Husserl foi menos o conteúdo filosófico de seu método do que um fragmento de sua terminologia” (p.44). Guerreiro Ramos tampouco se considera um fenomenologista.

Cabe frisar ainda que a redução sociológica não se resume ao campo da sociologia, mas é aplicada a outras áreas do conhecimento. Guerreiro Ramos salienta como antes da redução sociológica, já existia a “redução técnica” desde o Brasil colonial, onde os agricultores, diante da labuta direta com a natureza, tiveram consciência dos processos estrangeiros de lavoura nem sempre eram adequados às nossas condições, e assumiram uma atitude redutora.

Nas sociedades arcaicas, diz ele, a redução era exigência setorial. A redução, quando em outras áreas, como das ciências duras, tende a ser mais facilmente adotada. A tendência de resistir a redução tende a ser menor quanto menor for o “teor ideológico” do problema (p.47).

Como tal, a redução sociológica nunca foi aceita sem passar por resistência entre pares. Desde que foi apresentada, no II Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia, em 1953, Guerreiro Ramos se envolveu em discussões acadêmicas com figuras como Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro.

Florestan, particularmente, pregava que a ciência deveria seguir os padrões rigorosos universais institucionalizados, independente das particularidades históricas e sociais de uma sociedade para a execução do trabalho sociológico. As ciências sociais precisavam abrir mão do caráter ensaístico, característico dos primeiros intérpretes brasileiros, e institucionalizar o ofício do sociólogo com padrões científicos universais.

Para Guerreiro Ramos, por outro lado, “o trabalho da sociologia no Brasil deveria buscar uma perspectiva de afloração da consciência. A tarefa primordial da sociologia no Brasil, observando as condições histórico-sociais da Nação, seria a busca de uma condição existencial da sociedade, fazendo-a tomar consciência de suas condições e possibilitando-a rever suas trajetórias e fins” (Filgueiras, 2012, p. 350).

Como bem conclui Bariani (2015, p.23): “não obstante os problemas, com A redução sociológica, nunca fomos tão cosmopolitas em nossa situação localizada e, concomitantemente, nunca fomos tão locais em nosso cosmopolitismo”.

*Bruno Galvão é pesquisador vinculado ao Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática da Universidade de São Paulo.

Referência


Alberto Guerreiro Ramos. A redução sociológica. São Paulo, Editora Ubu, 2024, 256 págs. [https://amzn.to/4kkPU9h]

Bibliografia

BARIANI, E. Certidão de nascimento: a redução sociológica em seu contexto de publicação. Caderno CRH, v. 28, n. 73, p. 15–25, abr. 2015.

BERGUE, S. T.; KLERING, L. R. A redução sociológica no processo de transposição de tecnologias gerenciais. Organizações & Sociedade, v. 17, n. 52, p. 137–155, 2010.

CAPELARI, M. G. M.; AFONSO, Y. B. G. D. A. D. D. C. S. S.; GONÇALVES, A. D. O. Alberto Guerreiro Ramos: Contribuições da redução sociológica para o campo científico da administração pública no Brasil. RAM. Revista de Administração Mackenzie, v. 15, p. 98–121, dez. 2014.

FILGUEIRAS, F. DE B. Guerreiro Ramos, a redução sociológica e o imaginário pós-colonial. Caderno CRH, v. 25, p. 347–363, ago. 2012.

LEITE, J. C. DO P. Guerreiro Ramos e a importância do conceito da redução sociológica no desenvolvimento brasileiro. Revista de Administração Pública, v. 17, n. 1, p. 77 a 83–77 83, 18 set. 1983.

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