Por DANI RODRIK*
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Imagem: Boys in Bristol Photography |
Os eleitores da classe trabalhadora menos instruídos que aderiram à mensagem antielitista de Donald Trump continuarão sendo os perdedores
1.
Embora Donald Trump tenha chegado ao cargo em um tsunami de hostilidade pública contra as “elites”, a elite de seus apoiadores é ela própria componente importante do establishment e da plutocracia. Como aconteceu durante seu primeiro mandato, Donald Trump – um empresário rico que se tornou uma celebridade – cercou-se de uma mistura de políticos republicanos convencionais, financistas de Wall Street e nacionalistas econômicos. Mas, desta vez, esses grupos se juntaram à direita tecnodigital (techno-right), representados de modo flagrante por Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo.
O que une esses grupos, pelo menos por enquanto, não é o carisma de Donald Trump ou a sua liderança – ambos os quais parecem insuficientes. Em vez disso, é a crença de que suas agendas específicas serão mais bem atendidas sob o seu governo do que sob uma alternativa que se afigure possível.
Os republicanos conservadores querem impostos baixos e menos regulamentação, enquanto os nacionalistas econômicos querem fechar o déficit comercial e restaurar a grande indústria na malha econômica dos EUA. Os absolutistas da liberdade de expressão querem acabar com o que veem como “censura dos despertos” (woke censorship[i]), enquanto a direita tecnodigital quer liberdade para apregoar sua própria visão do futuro.
Independentemente de seus projetos favoritos, todos esses grupos, por ocasião da última eleição presidencial, consideravam Kamala Harris (e Joe Biden) como um obstáculo e Donald Trump como um aliado promissor. A maioria não se opõe à democracia como tal, mas parece disposta a ignorar e, portanto, a abrir espaço para o autoritarismo, desde que sua agenda esteja sendo atendida. Pressionados a avaliar os impulsos antidemocráticos e o desprezo pelo estado de direito do atual governo, eles optarão pelo equívoco ou minimizarão os riscos.
2.
Durante o primeiro mandato de Donald Trump, compartilhei essas preocupações com um de seus principais conselheiros econômicos (um nacionalista econômico). O meu interlocutor desprezou minhas preocupações e respondeu que os democratas e a administração do Estado eram as ameaças mais sérias. Em última análise, ele estava interessado no compromisso de seu chefe com a imposição de tarifas nas importações e não em nenhuma das possíveis consequências para a democracia do modo de governar.
Da mesma forma, em um episódio recente do podcast conduzido por Ezra Klein, jornalista do New York Times, Martin Gurri, que defende uma liberdade de expressão absoluta, explicou que seu próprio apoio a Trump fora impulsionado principalmente pela repressão do governo Biden à liberdade de expressão.
Joe Biden, segundo ele, “disse basicamente às plataformas [de mídia social] que elas teriam de aderir aos padrões europeus de bom comportamento online”. No entanto, as restrições que Trump impôs ao discurso de funcionários públicos e entidades privadas financiadas pelo governo despontam já como esse tipo de repressão – apresentando-se de modo muito mais flagrante. Mesmo admitindo que Donald Trump pode acabar “sendo ainda pior”, Martin Gurri pareceu imperturbável. Pois, no presente momento, considerou que era mais importante dizimar as normas da cultura do que defender a Primeira Emenda.
À medida que a elite dos apoiadores de Donald Trump prioriza as suas próprias agendas, desviantes em relação aos princípios democráticos, o risco de uma queda em direção ao autoritarismo soe ser óbvio. Felizmente, é ainda mais provável que as agendas concorrentes no próprio interior de seu projeto político entrem num conflito aberto, fazendo implodir a coalizão que sustenta Donald Trump.
A fronteira mais nítida se encontra entre os nacionalistas econômicos e a direita tecnodigital. Ambos esses campos se veem como antissistema e querem interromper um regime restritivo que sentem ter lhes sido imposto pelas elites do Partido Democrata. Mas eles incorporam visões muito diferentes da América e para onde ela deveria ser conduzida.
3.
Os nacionalistas econômicos querem retornar a um passado mítico marcado pela glória industrial americana, enquanto os líderes das plataformas tecnológicas preveem um futuro utópico administrado por inteligência artificial. Um é populista, o outro elitista. Um tem fé na sabedoria e no bom senso das pessoas comuns, o outro confia apenas na tecnologia. Um quer impedir a imigração em todos os setores, o outro dá as boas-vindas aos recém-chegados qualificados. Um é paroquial, o outro essencialmente globalista. Um quer dividir o Vale do Silício, o outro fortalecê-lo. Um acredita em apertar os ricos e o outro em alimentá-los.
Os nacionalistas-populistas afirmam falar pelas pessoas que serão abandonadas pela revolução tecnológica imaginada por Elon Musk. Assim, não é surpreendente que eles tenham profundo desprezo pelos empresários “tecnofeudais” do Vale do Silício. Steve Bannon, uma voz importante entre os nacionalistas econômicos (e graduado pela Harvard Business School, é claro), chegou ao ponto de chamar Elon Musk de “imigrante ilegal parasita”. Musk e o que ele representa devem “ser parados”, adverte Steve Bannon. “Se não os pararmos… eles vão destruir agora não apenas este país, mas o mundo.”
Embora Steve Bannon não atue atualmente no governo de Donald Trump, ele é uma figura importante no movimento MAGA (make America great again); ademais, ele mantém laços estreitos com muitos funcionários importantes do governo. Contudo, está claro que é Elon Musk quem atualmente tem o ouvido de Donald Trump. A Casa Branca deu rédea solta ao chamado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) posto sob o comando de Musk; ademais, foi o próprio Donald Trump quem encorajou Elon Musk a ser mais agressivo.
É típico de líderes personalistas, como Donald Trump, colocar aliados (cortesãos, na verdade) uns contra os outros para que nenhum acumule muito poder. Donald Trump, sem dúvida, acha que pode ficar no topo e alavancar os conflitos em sua própria vantagem. Mas essas táticas funcionam melhor quando a competição entre diferentes grupos é por recursos e favores do governo, em vez de refletir diferentes ideologias e sistemas de crenças.
Dadas as visões de mundo e preferências políticas muito diferentes das forças que animam o governo Trump, um confronto é quase inevitável. Mas o que virá depois. Haverá paralisia ou um dos grupos afirmará seu domínio? Os democratas serão capazes de capitalizar essa cisão? O trumpismo será destronado? As perspectivas para a democracia americana serão revividas ou elas ficarão ainda mais pálidas?
Independentemente do resultado, a tragédia é que os eleitores da classe trabalhadora menos instruídos que aderiram à mensagem antielitista de Donald Trump continuarão sendo os perdedores. Nenhuma das alas em disputa da coalizão de Donald Trump oferece uma visão adequada para eles. Isso vale até mesmo para os nacionalistas econômicos (apesar de sua retórica) já que as suas aspirações dependem de um renascimento irrealista dos empregos na indústria.
À medida que diferentes elites lutam por suas próprias versões da América, a agenda política urgente necessária para criar uma economia de classe média em uma sociedade pós-industrial permanecerá tão distante como sempre.
*Dani Rodrik é professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School. Autor, entre outros livros de A globalização foi longe demais? (Unesp).
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente no portal Project Syndicate em 28 de fevereiro de 2025.
Nota do tradutor
[i] O termo “woke” deriva do verbo em inglês “wake” (acordar), que, na prática, significa “estar esperto”. No contexto cultural dos Estados Unidos, ser “woke” refere-se a estar bem consciente sobre questões sociais e políticas, especialmente ligadas à igualdade e à justiça social.
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