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Indústria e progresso

Do A Terra É Redonda, 02 de abril 2025
Por LUIZ GONZAGA BELLUZZO*



Imagem: jiawei cui

A evolução da indústria e seu impacto nas economias contemporâneas

Paul Krugman disparou um post no Substack a respeito das políticas de Donald Trump. “Este post é sobre como as políticas de Donald Trump não poderiam ‘nos tornar uma nação manufatureira novamente’, mesmo que conseguissem reduzir muito os déficits comerciais… As pessoas devem entender que seremos uma economia de serviços, não importa o que aconteça, a fixação na manufatura como a única fonte de bons empregos está desatualizada”. Esta consideração de Paul Krugman está ancorada na concepção que privilegia as relações entre três setores: agricultura, indústria (manufatura) e serviços. Primário, secundário e terciário.

Para cuidar do tema dos três setores, seria oportuno tratar da Revolução Industrial. O historiador Carlo Cipolla escreveu: “A Revolução Industrial transformou o homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada”. A ruptura radical no modo de produzir introduziu profundas alterações no sistema econômico e social.

Aí nascem, de fato, novas forma de sociabilidade, a urbe moderna e seus padrões culturais. A diferença entre a vida moderna e as anteriores decorre do surgimento do sistema industrial, que não só cria bens de consumo e os bens instrumentais para produzi-los, como suscita novos modos de convivência entre agricultura, indústria e serviços. Novas formas de “estar no mundo”.

A ocorrência da Revolução Industrial no fim do século XVIII despertou os devaneios de Alexander Hamilton, nos Estados Unidos, com seu Relatório sobre as Manufaturas ou as truculências de Otto von Bismarck, encantado com os maquinismos e a ferrovia.

A indústria não pode ser concebida como mais um setor ao lado da agricultura e dos serviços. A ideia da revolução industrial trata da constituição histórica de um sistema de produção e de relações sociais que subordinam o desempenho da economia à sua capacidade de gerar renda, empregos e criar novas atividades. O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria endogeniza o progresso técnico e impulsiona a divisão social do trabalho, engendrando diferenciações na estrutura produtiva e promovendo encadeamentos intra e intersetoriais.

Em seu movimento revolucionário, o sistema industrial deflagrou mudanças na agricultura e nos serviços.

A agricultura contemporânea não é mais uma atividade “natural”, e os serviços já não correspondem ao papel que cumpriam nas sociedades pré-industriais. O avanço da produtividade geral da economia não é imaginável sem a dominância do sistema industrial no desenvolvimento transformador dos demais setores.

Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços gestados nas entranhas da expansão da indústria. Não há como ignorar, por exemplo, as relações umbilicais entre a Revolução Industrial, a revolução nos transportes e as transformações dos sistemas financeiros no século XIX. São reconhecidas as interações entre a expansão da ferrovia, do navio a vapor e o desenvolvimento do setor de bens de capital apoiado no avanço da indústria metalúrgica e da metalomecânica e na concentração da capacidade de mobilização de recursos líquidos nos bancos.

A introdução dos métodos “industriais” na agricultura e nos serviços vem promovendo o que convencionamos qualificar de hiperindustrialização. Em seu desenvolvimento, a indústria suscitou o avanço do tecnológico nos demais setores. As técnicas e equipamentos modernos – os métodos industriais – atenuaram a subordinação da agricultura aos caprichos da natureza.

Os serviços, apresentados por Paul Krugman como a vanguarda das economias de hoje, sofrem os benefícios do avanço tecnológico. Aí estão a internet e suas as redes de comunicação que permitem o comércio eletrônico e o ensino à distância.

A introdução de métodos ‘industriais’ em serviços e na agricultura promove a “hiperindustrialização”.

Ademais, a manufatura contemporânea é conduzida pelo aumento do volume de dados, ampliação do poder computacional e conectividade, a emergência de capacidades analíticas aplicada aos negócios, novas formas de interação entre homem e máquina, e melhorias na transferência de instruções digitais para o “mundo físico”, como a robótica avançada.

É intenso o movimento de automação baseado na utilização de redes de “máquinas inteligentes”. Nanotecnologia, neurociência, biotecnologia e agora a inteligência artificial formam um bloco de inovações com enorme potencial de revolucionar as bases técnicas das economias contemporâneas.

Os avanços da estrutura técnica supõem a aplicação continuada e sistêmica da pesquisa científica. Um arguto pensador do século XIX criou a figura do General Intellect para designar a relação entre o avanço do conhecimento “socializado” nas universidades e instituições de pesquisa.

O General Intellect se institui em uma forma de apropriação dos significados do conhecimento humano, em particular dos códigos da ciência. Para a consecução de seus propósitos, a nova economia toma a educação, cujos métodos e objetivos são ajustados aos requerimentos da aceleração do avanço dos ganhos de produtividade, no mesmo movimento em que impõe critérios de qualificação dos trabalhadores – cada vez mais exclusivos e “excludentes”.

Todos os métodos que nascem dessa base técnica não podem senão confirmar sua razão interna: são métodos de produção destinados a aumentar a produtividade social do trabalho em escala crescente. Isso suscitou a intensificação da introdução dos métodos “industriais” na agricultura e nos serviços, promovendo o que convencionamos qualificar de hiperindustrialização.

Essa expressão – “hiperindustrialização” – cuida de sublinhar a radical transformação das relações entre os setores mencionados acima. Voltamos a Carlo Cipolla: “A Revolução Industrial, transformou o homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada”.

*Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente). [https://amzn.to/45ZBh4D]

Publicado originalmente no jornal Valor econômico.

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