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Sobre as mudanças na Meta

Do A Terra É Redonda, 17 de janeiro 2025
Por LUIZ SÉRGIO CANÁRIO*


Não chegamos ao fundo do poço, mas é importante que governos e pessoas resistam ao controle que as plataformas têm e querem ampliar sobre as nossas vidas

Em 7 de janeiro o mundo foi surpreendido pelo anúncio de Mark Zuckergerb que a Meta, dona do Facebook e do Instagram, está mudando suas políticas de verificação de fakenews e dos limites do que considerado ofensivo na política de uso dos produtos. A checagem de fakenews se restringirá a alguns assuntos e as mensagens normalmente associadas a ódio deixariam de ser verificadas e retiradas. São mudanças que abrem espaço para transformar o ambiente das redes sob seu controle uma espécie de terra de ninguém, um vale tudo, com pouca ou nenhuma restrição. A Meta se alia ao X, de propriedade de Elon Musk, um expoente da direita que ganhou um posto importante na equipe de Trump, na questão de terra sem lei. E tudo em nome da liberdade de expressão. Claro que sob a ótica da extrema-direita.

Essa guinada se dá exatamente um dia depois da confirmação do resultado das eleições e às vésperas de Donald Trump tomar posse como presidente dos EUA. Coincidência? Obviamente não. São os novos ventos soprando em outras direções. E o barco vai na direção do vento. Ou a expressão muito usada em inglês, businness as usual, em português, negócios como de costume. Nada de novo nesse aspecto.

A questão é que as implicações na vida das pessoas, países e sociedades não são pequenas nem se restringem ao mundo dos negócios. Expor as populações LGBT+, por exemplo, a discursos de ódio, ofensas diretas e ameaças não fazem parte do negócio, são consequências das decisões tomadas em função dele. Permitir a proliferação de notícias falsas, calúnias sobre agentes políticos e interferência nas eleições afetam os processos políticos internos nos países. Destruir reputações de líderes populares fica permitido sem nenhuma contenção. Zuckerberg diz que está voltando aos tempos iniciais do Facebook, criado como uma ferramenta para as pessoas se comunicarem livremente. Provavelmente não funcionava assim nem nos tempos iniciais onde era usado basicamente nos alojamentos da Universidade Harvard, onde tudo começou. É possível que houvesse desde então posts violentos ou caluniosos.

Mark Zuckerberg é um brilhante homem de negócios que construiu um império baseado em um aplicativo para ser usado por estudantes trocando perfis, fotos e posts. Hoje é uma empresa que vale US$1,5 trilhões na bolsa de valores dos EUA. E ele um dos homens mais ricos do planeta. Dono de redes sociais e de comunicação com bilhões de usuários que usam esses produtos cotidianamente. Uma imensa rede de alcance mundial que distribui todo tipo de informação e que tem seu faturamento muito concentrado na venda de anúncios. Alguns números da empresa:



EUA e Canadá concentram perto de 50% do faturamento e somente 9% dos usuários. De longe o mercado mais rentável. Isso faz essa região ser de extrema importância. Essa concentração sobre uma base pequena é um fator de risco. A redução da quantidade de usuários implica em uma redução significativa no faturamento. A empresa seria forçada a aumentar a participação das outras regiões, especialmente a Ásia/Pacífico com populações imensas, como a Índia, para compensar.

A grande dispersão de usuários pelo mundo, em vários países de todos os portes, e com várias políticas e leis para o uso da internet, desde os europeus aos africanos, torna a gestão de políticas de uso muito complexas e cara. Atender as legislações nacionais de dezenas de países não é tarefa simples ou barata.

Em 8 de janeiro o jornal The Washington Post, de propriedade Jeff Bezos, um dos donos da Amazon, publicou um texto sobre o assunto, destacando os pontos: (i) Mark Zuckerberg nunca gostou do negócio de fiscalizar o cumprimento da política de uso do Facebook; (ii) Há nessas medidas um cálculo empresarial frio: com o Partido Republicano de Trump controlando a Casa Branca e o Congresso, além de uma supermaioria simpática instalada no Supremo, a Meta tem mais a perder ofendendo os conservadores do que ofendendo os liberais ou grupos marginalizados.

(iii) Em 7 de janeiro de 2021, no dia seguinte a invasão do Capitólio, a Meta suspendeu a conta de Donald Trump. Eles nada fizeram até Biden ser confirmado presidente dos EUA; (iv) Durante o mandato de Joe Biden, com ameaças regulatórias iminentes, a empresa trabalhou para reprimir fraudes e teorias da conspiração, especialmente em torno da pandemia de covid e da segurança e eficácia das vacinas; (v) As mudanças da Meta podem estar ligadas ao jantar com Donald Trump em sua casa em Mar-a-Largo, a doação de US$1 milhão para a festa da posse de Donald Trump e a nomeação de um aliado de Trump para o conselho da Meta: para se alinhar ao poder.

Independentemente das convicções pessoais dele, a virada da Meta, é uma decisão de negócio. Ele acena para a base trumpista, que venceu as eleições, com medidas muito caras a eles. Se alinha ao discurso fácil da “liberdade de expressão”. Reduz os custos operacionais e a responsabilidade contratual de garantir um ambiente não agressivo em suas redes. Tenta preserva a sua base de usuários, fonte de suas receitas, no seu principal mercado, responsável por mais de 50% das vendas. Perder usuários nesse mercado poderia levar os investidores a deixarem de comprar suas ações, rebaixando seu valor de mercado, além do faturamento.

Esses pontos levantados pelo jornal ajudam a estabelecer o cenário e o alcance da decisão. Em certo sentido é também uma estratégia de botar o “bode na sala”. Os ambientes político e institucional nos EUA favorecem, como visto, a tomada dessas medidas. O movimento da Meta é claramente a favor das direitas mundo afora, que têm na desinformação e nas fake news seus principais instrumentos no debate público.

A ver como serão as respostas da Comunidade Europeia e da Europa em geral com a guinada em direção à direita de alguns países. Também a de governos como os do Brasil e da Índia. Quase 80% da sua base de usuários está fora dos EUA, Canadá e Europa. Apesar de seu faturamento nessas regiões não ser proporcional a quantidade de usuários, representa 30% do faturamento total, o que não é desprezível.

A influência dos produtos da Meta ao redor do mundo é muito grande. Donald Trump ganhou as eleições de 2016 com uma contribuição importante, determinante para alguns, das ações de sua comunicação no Facebook. Em 2018 a eleição de Jair Bolsonaro teve um impulso importante usando o WhatsApp. A articulação de sua base eleitoral foi intensamente feita usando esse aplicativo. Da mesma forma a campanha, vitoriosa, a favor do Brexit foi muito influenciada pelo uso do Facebook.

Não se pode subestimar a importância dessas redes sociais no mundo de hoje. Estão presentes em nosso dia a dia. Elas mudaram a forma como as pessoas se informam e com isso orientam seus posicionamentos em todas as dimensões sociais. Desde a marca de sabonete preferida a que político vão dirigir seu ódio, passando pela disputa eleitoral. Antes dessas plataformas quase toda a informação era intermediada pela imprensa, que atuava como um filtro normalmente a favor dos interesses das classes dominantes.

Havia até uma fala comum aqui no Brasil que o que não saia no Jornal Nacional da TV Globo não era verdade ou sequer existia. Mas mesmo essas empresas, que continuam existindo sem a mesma influência de outros tempos, se submetia a regras e leis, em última instância são concessões públicas que no limite podem ser revogadas. Podiam ser alcançadas pelos tribunais dos países com maior ou menor rigor. Exceto em ditaduras, que censuravam pesadamente a imprensa, ocorria que publicações com menos alcance acabassem por desmascarar manipulações grosseiras, como a da TV Globo, transformando o comício pelas diretas em uma atividade de um feriado paulista.

Sua valorização dependia da sua circulação, de que os leitores estivessem dispostos a ir às bancas comprar as publicações. Ou da audiência das TV e das rádios. A internet muda esse cenário. Não há mais intermediação forçada da distribuição de informações. As pessoas recebem o tempo todo informações vindas de várias fontes. Algumas da imprensa, mas muitas de posts de amigos ou de quem faz parte da sua rede de contatos. E essa informação chega ou não as pessoas com o uso de filtros mais sofisticados que a simples intermediação, os algoritmos, que são controlados pelos donos das plataformas, como agora no caso da Meta.

A maior diferença em relação a imprensa é que esses filtros são seletivos. O Jornal Nacional não conseguia levar informações diferentes para públicos diferentes. O Facebook pode. Consegue segmentar os grupos sociais de tal forma que as pessoas têm acesso à informação que faz mais sentido para o que diz a análise dos perfis do aplicativo. Acreditar ou não na informação não depende da confiança no meio. O Jornal Nacional, a TV Globo, eram confiáveis, na visão do público em geral.

O Facebook se coloca como um meio neutro, não é ele que dá confiabilidade à informação, não precisa ser confiável. Se posiciona como uma plataforma gratuita para contactar pessoas e permitir o “livre” debate de ideias e troca de informações. A confiança vem da origem da informação. Se o religioso da confiança da pessoa, seja de que religião for, repassa uma informação ou posta um comentário, ela é confiável e verdadeira. Mesmo que não seja. A pessoa que recebe a informação precisa ter a capacidade, a vontade e a orientação de ela mesma buscar confirmação das informações que recebe.

O cenário em nosso país, e em boa parte do mundo, inclusive nos EUA, não é esse. Essa é a principal fonte de poder das redes sociais. As pessoas estão preferindo opiniões que a informação necessária para suas próprias conclusões. A opinião que vem de onde a pessoa confia é suficiente e tomada como verdade. E isso tem afetado os meios de comunicação convencionais que cada vez mais publicam comentários que informações. A internet mudou os padrões de informação. Há acesso a tudo que se queira. E as pessoas passam a interagir e se informar nos limites da sua rede de contatos, as bolhas.

Em seu discurso de posse como secretário de comunicação do governo federal, Sidônio Palmeira falou: “A informação dos serviços (tratando do governo) não chega na ponta. A população não consegue ver o governo nas suas virtudes. A mentira nos ambientes digitais fomentada pela extrema-direita cria uma cortina de fumaça na vida real, manipula pessoas inocentes e ameaça a humanidade”. Sem considerar os aspectos da política de comunicação do governo ser boa ou ruim, funcionar ou não, é certo que o ambiente das redes sociais acaba por interferir no debate público e na formação das posições políticas da população.

Há um certo exagero na ameaça a humanidade, mas não é exagero que há uma ameaça real ao debate público de ideias e aos limites necessários a tão falada “liberdade de expressão”. Liberdade de expressão passou a ser um conceito caro a extrema-direita. Não é o conceito liberal clássico do cidadão ter direito a expor publicamente suas

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