Pages

É MAGA na veia, baby

Não é de surpreender que Trump tenha lançado uma monumental e sedutora, embora arriscadíssima, operação psicológica para mudar à força a narrativa


Do Brasil 247, 16 de janeiro 2025
Por Pepe Escobar



É o maior espetáculo da Terra – o lançamento de uma dupla plataforma de Novo Paradigma e Destino Manifesto turbinado a crack. Somos os maiorais. Vamos sacudir você – em todos os sentidos. Vamos esmagar você. E vamos pegar tudo o que quisermos porque podemos.

E se você quiser escapar do dólar dos Estados Unidos, vamos destruir você. BRICS, estamos indo te pegar.

O Trump 2.0 – uma mistura de luta-livre profissional e de MMA lutada em uma gigantesca arena planetária – vai estar em cartaz a partir da próxima segunda-feira.

O Trump 2.0 tem como meta controlar o sistema financeiro global; dominar o comércio mundial de petróleo e do fornecimento de GNL e das plataformas estratégicas de mídia. O Trump 2.0 está esquentando os motores para se tornar um prolongado exercício da capacidade de causar dano ao Outro. Qualquer Outro. Tomar o controle da forma mais hostil – com sangue nos trilhos. É assim que “negociamos”.

Sob o Trump 2.0, a infraestrutura tecnológica global tem que usar software dos Estados Unidos, não apenas no front dos lucros, mas também no da espionagem. Todos os chips de dados de IA têm que ser americanos. Os centros de dados da IA têm que ser controlados unicamente e exclusivamente pela América.

“Livre-comércio” e “globalização”? Isso é para os trouxas. Bem-vindos ao mercantilismo tecno-feudal neoimperial – movido à supremacia tecnológica dos Estados Unidos.

O Consultor para Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, citou algumas das metas que tem pela frente: Groenlândia; Canadá; cartéis variados; o Ártico; o Golfo da “América”; petróleo e gás; minerais de terra rara. Tudo em nome de fortalecer a “segurança nacional”.

Um ponto importante desse programa: o total controle do “Hemisfério Ocidental” pela Doutrina Monroe 2.0 – aliás, Doutrina Donroe. América em Primeiro Lugar, em Último lugar e Sempre.

Por que o tabuleiro de xadrez tem que ser remanejado

Examinemos por um momento a incômoda questão dos imperativos materiais. O Império do Caos enfrenta um déficit colossal, devido aos tubarões do crédito de sempre, que só pode ser – parcialmente – amortizado por meio de alguns superávits de exportação específicos. Isso implicaria a reindustrialização – um processo longo e dispendioso – e a garantia do funcionamento tranquilo das cadeias de suprimento militar.

Onde estaria a base de recursos para essa tarefa sísifica? Washington, simplesmente, não pode contar com as exportações chinesas de terras raras. O tabuleiro de xadrez tem que ser remanejado – colocando o comércio internacional e a tecnologia unificados sob o controle monopolista e unilateral dos Estados Unidos.

O Plano A, até agora, foi o de confrontar simultaneamente a Rússia e a China: os dois maiores BRICS e os principais vetores da integração eurasiana. A estratégia chinesa, desde o início do milênio, foi a de trocar recursos por infraestrutura, desenvolvendo os mercados do Sul Global ao mesmo tempo em que a China se desenvolve.

A estratégia russa tem sido a de ajudar os países a recuperarem sua soberania: ajudando esses países a ajudarem a si próprios no front do desenvolvimento sustentável.

O Plano A de se contrapor às estratégias combinadas da parceria estratégica Rússia-China fracassou retumbantemente. As tentativas do medonho governo americano que agora termina geraram uma série de resultados espetacularmente desastrosos.

Então, entra em cena o Plano B: saquear os aliados. Eles, seja como for, já são dominados por chihuahuas. O espetáculo – de exploração – tem que continuar. E há um estoque suficiente de chihuahuas a serem explorados.

O Canadá possui uma infinidade de água potável e de petróleo, além de riquezas minerais. A classe empresarial canadense, na verdade, sempre sonhou com uma integração profunda com o Império do Caos.

Trump 2.0 e sua equipe tiveram o cuidado de não citar nomes. Quando se trata do Ártico como um campo de batalha hoje crucial, talvez haja uma vaga alusão à Passagem Noroeste. Mas jamais uma menção ao que realmente importa: a Rota do Mar do Norte – a denominação russa para o que os chineses chamam de a Rota da Seda Ártica. Esse é um dos principais corredores de conectividade do futuro.

A Rota do Mar do Norte abrange pelo menos 15% de todo o petróleo não-explorado do mundo, e 30% de todo o gás não-explorado. A Groenlândia está no centro desse Novo Grande Jogo, sendo capaz de fornecer anos de urânio, tanto petróleo quanto o Alasca (comprado da Rússia em 1867), além de terras raras – para não mencionar localizações geográficas úteis para o emprego de mísseis defensivos e ofensivos.

Washington vem tentando se apoderar da Groenlândia desde 1946. Foi firmado um acordo com Copenhagen garantindo o controle militar – principalmente naval. Agora a Groenlândia está sendo reapresentada como o ponto de entrada ideal para os Estados Unidos no Grande Jogo do Ártico contra a Rússia.

No fórum de São Petersburgo de junho último, tive o privilégio de acompanhar uma excepcional mesa-redonda sobre a Rota do Mar do Norte, que é parte integrante do projeto de desenvolvimento russo para o século XXI, focado na navegação comercial: “Precisamos de mais quebra-gelos!”– que fatalmente irá superar Suez e Gibraltar em um futuro próximo.

Os pouco mais de 50 mil habitantes da Groenlândia – que já desfrutam de autonomia, principalmente frente à União Europeia – estariam mais que dispostos a aceitar uma saída total da Dinamarca. Copenhagen, de fato, abandonou a Groenlândia em 1951. Os groenlandeses irão adorar os lucros gerados pelos vastos investimentos dos Estados Unidos.

O Chanceler Sergey Lavrov foi direto ao ponto: “O primeiro passo é ouvir os groenlandeses” – da mesma forma que a Rússia ouviu os habitantes da Crimeia, do Donbass e da Novorossiya face a Kiev.

O que o Trump 2.0 realmente quer da Groenlândia é meridianamente claro: militarização total; acesso privilegiado a terras raras e a exclusão comercial das empresas russas e chinesas.

O especialista chinês em assuntos militares Yu Chun observou: “espera-se para breve a abertura da tão desejada “rota marítima dourada” do Oceano Ártico, que permitirá que navios cruzem o Oceano Pacífico e sigam ao longo das costas norte da América do Norte e da Eurásia, chegando ao Oceano Atlântico.

Como a Rota do Mar do Norte é um “elemento crucial da cooperação sino-russa”, é inevitável que os Estados Unidos venham a adotar a “visão estratégica de evitar a criação de uma “rota marítima dourada” entre China, Rússia e Europa, assumindo o controle da Groenlândia”.

Os chihuahuas piram

O front mais amplo dos chihuahuas está em polvorosa. Diversas figuras das elites de Davos de todo o OTANistão com vínculos com o Deep State – da Europa ao Canadá – estão em vias de serem substituídas por novas elites filiadas ao Trump 2.0.

O que está indissociavelmente ligado à estratégia de Saquear os Aliados: o prosseguimento da destruição da economia vassala da União Europeia com o fim de fortalecer o coração do Império.

Na Alemanha, Alice Weidel, do Afd, pragmática e intelectualmente capaz – traz uma perspectiva bastante intrigante. Ela vem declarando publicamente que a Alemanha tem que voltar a importar matérias-primas e gás natural barato – vamos reabrir o Nord Stream – da Rússia.

O que abre a insuportável possibilidade de Trump e seu faz-tudo Elon Musk se darem conta de que a Alemanha como um paiseco desindustrializado não tem o mínimo valor para os Estados Unidos – mesmo no quadro de uma ofensiva neoliberal barra-pesada de ladroagem de ativos. É claro que Trump 2.0 irá extrair um preço escorchante dos alemães em troca de eles terem de volta um país revitalizado.

O Trump 2.0, pelo menos, tem o dúbio mérito de fazer uma leitura relativamente realista do tabuleiro: Rússia, Índia, China – o triângulo Primakov – bem como o Irã, se tornaram demasiado poderosos para serem saqueados. Então, a segunda melhor opção seria saquear os Chihuahuas. A explosão do Nord Stream ordenada pela família criminosa Biden – como detalhado por Sy Hersh – foi uma entrada cintilante.

O futuro da OTAN no projeto da Grande América está à venda. Tem que pagar, senão..., e a contribuição de cada país-membro deve subir para até 5% do PIB, em lugar dos atuais 2%.

Imaginem um aumento de preço de 150%. Por sinal, Trump, até agora, sequer balbuciou a absurda expressão “Indo-Pacífico”. Para todos os fins práticos, Trump está mandando a OTAN cair fora.

No caso de uma dupla anexação do Canadá e da Groenlândia pelo OTANistão, os Estados Unidos talvez consigam se igualar à Rússia em termos de base de recursos. Pode-se dizer que essa seja a principal razão para o deslanche do Novo Grande Jogo. Esqueçam-se da tal “multipolaridade”. BRICS, prestem atenção.

O enredo lateral mais intrigante é, é claro, Elon Musk. Trump precisa muito do colossal megafone de redes sociais/propaganda que Musk controla. Simultaneamente, no front dos chihuahua, o comparsa platinado quer lucrar com uma Europa capaz de acessar energia, recursos naturais e multidões de consumidores com sólido poder aquisitivo em quantidades suficientes.

Os fatos concretos já mostram a “ordem internacional baseada em regras” sendo instantaneamente substituída por uma desordem internacional sem regra nenhuma. Afinal, o direito internacional foi abolido pelo próprio Império do Caos (que é bipartidário) – com sanções ilegais e unilaterais, roubo de ativos financeiros, legitimação do genocídio e “rebeldes moderados” cortando cabeças.

O Trump 2.0 nada fará além de forçar a aplicação de um fenômeno de facto: uma desordem pós-histórica. Fim da História – que sempre foi coisa de mané.

Toda essa incendiária cadeia de acontecimentos está a todo o vapor por uma única razão: o Império do Caos perdeu sua guerra por procuração na Ucrânia. O que ainda resta a ser discutido é a modalidade da rendição. Portanto, não é de surpreender que Trump tenha lançado uma monumental e sedutora, embora arriscadíssima, operação psicológica para mudar à força a narrativa.

Tradução de Patricia Zimbres

Nenhum comentário:

Postar um comentário