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Crianças Sateré-Mawé de Manaus (AM) criam primeira coletânea de revistas em quadrinhos produzida por jovens indígenas

Eles participam do projeto Quadrinhos Sateré e buscam financiamento para imprimir o trabalho


Por Carolina Bataier
Do Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 17 de janeiro de 2025 



Eliakim e Israel (direita), na exposição Sangue Suor e Nanquim, em Manaus: alunos do projeto Quadrinhos Sateré participaram da mostra - Arquivo pessoal

O jovem Israel Hukat'i, de 16 anos, costumava ouvir do seu avô a história sobre a criação da noite, num tempo em que só existia o dia. “Como a comunidade trabalhava tanto, e todos ficavam cansados, decidiram pedir a Tupã que trouxesse a noite para que eles pudessem descansar”, conta Israel, um dos nove participantes do projeto Quadrinhos Sateré, o primeiro curso de roteiro de quadrinhos voltado exclusivamente para crianças e adolescentes indígenas no país, realizado em Manaus (AM).

“Eu acredito que todo mundo deveria conhecer histórias como essas, porque elas nos ajudam a entender melhor quem somos e a enxergar o mundo de uma forma bonita e conectada com a natureza”, diz o jovem.

Ele escolheu a história contada pelo avô para ganhar uma versão ilustrada. Em breve, esse e outros contos estarão nas páginas da primeira revista em quadrinhos do Brasil feita por crianças e adolescentes indígenas.

“É um grande projeto, porque ensina e faz a gente criar nossas próprias histórias da etnia Sateré-Mawé”, avalia o jovem, que celebra a possibilidade de levar para os leitores os saberes do seu povo. “Eu fico muito feliz em mostrar quem somos, o que acreditamos e o que faz parte da nossa essência”, diz.

Por dois meses e meio, crianças e adolescentes Sateré-Mawé tiveram aulas teóricas e práticas sobre o universo dos quadrinhos. “Os Sateré-Mawé, como a maioria dos povos indígenas, têm muito forte a oralidade. O meio tradicional de contar histórias do povo deles é a oralidade”, diz Evaldo Vasconcelos, professor de roteiro e coordenador do curso, função compartilhada com a pedagoga Leilane Sateré. O projeto teve apoio da Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Manaus.

Acostumados a ouvir e contar histórias, os participantes aprenderam a desenvolver personagens e outras estratégias para que os contos pudessem ser adaptados para a versão ilustrada. O processo envolveu o contato com outras formas de literatura de autoria indígena.

“Mostrei para eles alguns livros escritos por indígenas, aí nós passamos para desenho animado, filme, todas essas mídias que eles estavam mais acostumados, até chegar no formato do roteiro para quadrinho”, conta Vasconcelos.


Storyborad (esboço) da história que fala sobre a criação da noite, apresentada do Israel Hukat'i / Divulgação/Quadrinhos Sateré

Durante o curso, cada criança apresentou entre duas e três histórias. As aulas estão disponíveis no perfil do Instagram do curso (@quadrinhossatere) e mostram o processo criativo e a evolução dos participantes. A partir dos roteiros, a artista Malika Dahil fez os esboços dos quadrinhos. Uma parte dessas ilustrações integrou a exposição Sangue Suor e Nanquim, realizada em 2024 em Manaus.

Eliakim Cruz, de 12 anos, usou os aprendizados do curso para passar uma mensagem de conscientização ambiental. Ele criou os personagens Iamã, que na língua Sateré-Mawé significa espírito da chuva, e Ahiang̃, o espírito maligno, inspirado nas queimadas que assolaram a floresta. “Eu acredito que as pessoas precisam ler a minha história para refletir mais sobre a minha cultura e sobre as queimadas que aconteceram aqui na Amazônia, os riscos para os animais”, diz.

Agora, o grupo busca ajuda para imprimir e publicar a revista. Para isso, os coordenadores do projeto lançaram uma campanha de financiamento pela plataforma Catarse. A meta é arrecadar R$ 31.500,00, valor que será destinado para o custeio das impressões e dos profissionais envolvidos no processo de criação, como editor, diagramador, roteirista e equipe de divulgação.

Para Israel, a revista será uma homenagem àquele que o ensinou a ouvir e contar histórias. “Meu avô, do seu jeito simples e cheio de carinho, sempre dizia que contar histórias é uma forma de manter nossas raízes vivas e eu fico muito feliz de poder trazer essas histórias para a revista porque é uma forma de honrar tudo o que ele me ensinou”.

A revista Quadrinhos Sateré terá oito histórias, escritas por nove crianças: Eliakim Cruz, Sophia Teixeira, Yara da Costa, Mayara Sateré, Yasmin da Silva, Israel Hukat'i, Iaro Arupi, Indiny da Costa e Julia Lima.


Os coordenadores do curso, Evaldo Vasconcelos e Leilane Sateré (ao centro), junto de alguns participantes do projeto Quadrinhos Sateré / Arquivo pessoal

Sobre os Sateré-Mawé

Conhecidos por serem os primeiros a domesticar e cultivar a planta de guaraná, os Sateré-Mawé possuem uma rica cultura e tradições, incluindo rituais de iniciação que envolvem o uso de formigas-bala. São um povo indígena brasileiro que habita principalmente a região do médio rio Amazonas. As crianças e adolescentes que participam do projeto Quadrinhos Sateré vivem na área urbana de Manaus.

Edição: Nathallia Fonseca

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