Do IHU, 10 Janeiro 2017
O artigo é de Thomas L. Friedman, jornalista, atual editorialista do jornal The New York Times, publicado por O Estado de S. Paulo
Eis o artigo.
Os softwares já começaram a escrever poesia, notícias de esporte e reportagens de economia. O sistema Watson, da IBM, é coautor de hits de música pop. O Uber criou táxis para operar sem motorista em ruas de verdade. No mês passado, a Amazon fez sua primeira entrega por drone para um cliente na Inglaterra rural.
São mudanças que vêm sacudindo o mundo atual, mas o abalo mais profundo, de longe, está ocorrendo nos locais de trabalho e na economia em geral, motivado pelo incessante avanço da tecnologia – com máquinas e softwares não apenas trabalhando melhor que nós, mas começando a pensar melhor que nós em um número cada vez maior de setores.
Para refletir sobre essas rápidas mudanças, sentei-me com meu professor e amigo Dov Seidman, diretor executivo da LRN, empresa que orienta outras sobre liderança e criação de culturas étnicas. “O que vivemos hoje se assemelha de modo impressionante, em grau e implicações, à revolução científica que começou no século 16”, disse ele. “As descobertas de Copérnico e Galileu que deflagraram essa revolução desafiaram nosso entendimento do mundo, em volta e além de nós, forçando-nos, como humanos, a repensar nossa posição nele.”
Com a consagração dos métodos científicos, acrescentou Seidman, passamos a usar a ciência e a razão para avançar, “a ponto de o filósofo francês René Descartes sintetizar essa idade da razão em uma frase: ‘Penso, logo existo’”. O ponto-chave do raciocínio de Descartes, disse Seidman, “é que nossa habilidade de pensar é o que diferencia os humanos de outros animais”.
A revolução tecnológica do século 21 terá tantas consequências quanto a revolução científica, argumentou Seidman, e “está nos forçando a responder a uma pergunta que nunca antes nos fizéramos: ‘Que significa ser homem na era das máquinas inteligentes?’”.
Em suma, se máquinas podem competir com pessoas na atividade de pensar, o que faz de nós, humanos, seres únicos? E o que nos permitirá continuar criando valores sociais e econômicos? A resposta, disse Seidman, é que existe uma coisa que as máquinas jamais terão: um coração.
“Há coisas que só o coração pode fazer”, explicou ele. “Humanos podem amar, ter compaixão, sonhar. Ao mesmo tempo que agem sob medo e raiva, chegando até a ferir, podem inspirar grandes coisas e ser virtuosos. E, embora máquinas consigam interagir confiavelmente, só os humanos podem estabelecer profundas relações de confiança.”
Portanto, acrescentou Seidman, nossa autoconcepção precisa ser redefinida do “penso, logo existo” para “preocupo-me, logo existo; tenho esperança, logo existo; imagino, logo existo; sou ético, logo existo; tenho um propósito, logo existo; paro e reflito, logo existo”.
É claro que ainda vamos precisar de trabalho manual, e as pessoas continuarão usando máquinas para fazer coisas extraordinárias. Seidman está simplesmente argumentando que a revolução tech forçará os humanos a criar mais valores usando o coração. Concordo. À medida que máquinas e softwares controlam mais e mais nossas vidas, as pessoas procurarão mais e mais conexões inter-humanos. São coisas que não se pode baixar do computador: têm de ser transmitidas de um humano para outro, à moda antiga.
Seidman me fez lembrar de um provérbio talmúdico: “O que vem do coração, entra no coração”. É por isso que mesmo profissões que exigem muita tecnologia podem se beneficiar de “mais coração”. Chamo isso de profissões com STEMpatia – que combinam STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia, matemática) com empatia humana. Um médico pode chegar ao melhor diagnóstico de câncer pelo Watson da IBM e depois informar de uma forma mais humana esse diagnóstico ao paciente.
Não é de espantar que uma das franquias que mais crescem nos Estados Unidos seja a Paint Nite, que oferece aulas de “pinte enquanto bebe” para adultos. A revista Bloomberg Businessweek informou numa reportagem de 2015 que a Paint Nine “promove festas depois do expediente para clientes que são na maioria advogados, professores e profissionais de tecnologia que procuram um hobby criativo”. Professores-artistas que trabalhem cinco dias por semana podem ganhar US$ 50 mil anuais conectando pessoas a seus corações.
Economias são rotuladas segundo o modo predominante pelo qual as pessoas criam valores, disse Seidman, também autor do livro “How: Why How We Do Anything Means Everithing” (em tradução livre, “Por que o modo de fazer as coisas revela tudo”). Assim, disse ele, a economia industrial baseava-se em mão de obra contratada; a economia do conhecimento, no uso de cérebros; e a revolução tecnológica nos empurra para a “economia humana”, que é criar valores “usando o coração” – os atributos que não podem ser programados em softwares.
Não surpreende, portanto, que o governo francês tenha solicitado a empresas do país que, desde este 1º de janeiro, garantam aos funcionários “o direito de se desconectar” da tecnologia quando não estiverem trabalhando. É uma tentativa de combater a cultura trabalhista do “sempre conectado”.
Líderes, empresas e comunidades continuarão usando a tecnologia para levar vantagem, mas aqueles que puserem a conexão humana no centro do que fizerem serão os grandes vencedores. “Máquinas podem ser programadas para fazer as coisas da maneira certa, mas só os humanos conseguem decidir fazer as coisas certas”, resumiu Seidman.
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